Valor Econômico, v. 20, n. 4962, 18/03/2020. Brasil, p. A4

Ajuda precisa chegar a informais, dizem especialistas
Thais Carrança


O pacote de medidas emergenciais no valor de R$ 147,3 bilhões anunciado na segunda-feira pelo ministro da Economia Paulo Guedes vai na direção correta, mas é insuficiente para atender às necessidades dos mais vulneráveis e dos trabalhadores informais na crise provocada pelo coronavírus, avaliam especialistas.

Na visão dos analistas, há consenso de que é preciso ampliar a destinação de recursos ao Bolsa Família, para além dos R$ 3,1 bilhões extras do pacote inicial, zerando a fila existente e incluindo novas famílias. Além disso, eles sugerem o pagamento de valor adicional temporário aos beneficiários do programa.

A avaliação parece encontrar eco dentro do governo. Ontem, diversas notícias davam conta de que medidas adicionais voltadas a esse público estão em estudo pela equipe econômica e podem ser anunciadas nos próximos dias. Entre eles, estariam a distribuição de vouchers para compra de comida e remédios, a possibilidade de dobrar o valor do Bolsa Família e a ampliação temporária dos descontos concedidos na conta de luz à população de baixa renda.

Para atender aos informais não elegíveis ao Bolsa Família, economistas sugerem utilizar o Cadastro Único para distribuir uma renda temporária aos cadastrados. Eles também avaliam que vouchers não são a medida mais adequada neste momento, sendo preferível a transferência direta de renda.

“Parece que as medidas iniciais foram muito concentradas no setor formal, o que resolve só um pedaço do problema”, diz Marcelo Medeiros, professor visitante da Universidade de Princeton. “As medidas têm de ser mais ambiciosas, com preocupação maior com assistência. ”

Medeiros sugere o uso do Cadastro Único para esse fim. “Com ele, você consegue beneficiar não só a população que recebe o Bolsa Família, mas aqueles que não estão recebendo”, diz, lembrando que há cerca de 8,5 milhões de pessoas pobres no país que não recebem o benefício, mas estão no cadastro.

Ele propõe a criação e dois benefícios, um de R$ 150 a ser dado durante sete meses como suplemento para quem já é beneficiário do Bolsa Família. E outro no mesmo valor, por quatro meses, para quem está no cadastro, mas não no programa.

Segundo o especialista, uma medida dessa ordem deve custar algo como R$ 15 bilhões, cerca de metade do que o Bolsa Família gasta em um ano, o que torna a proposta compatível com o Orçamento brasileiro numa situação de emergência.

Marcelo Neri, diretor da FGV Social, diz que, além de zerar a fila do Bolsa Família, é preciso reajustar o valor do benefício, defasado desde o início da crise de 2014. Segundo ele, os R$ 3,1 bilhões anunciados para reincorporação de 1 milhão de beneficiários são suficientes apenas para repor o contingente excluído de maio de 2019 a janeiro de 2020.

“O benefício hoje é de R$ 191 por família em termos reais e em 2014, era de R$ 227. Houve uma queda grande do valor”, observa. “Ainda estamos na defesa, recuperando uma perda de beneficiários e há outra perda, de valor, que pode ser recuperada. Mas o Bolsa Família deve ser usado no ataque aos problemas da crise”, acrescenta.

Já para os trabalhadores informais que não estão entre os mais pobres, Neri sugere o canal de crédito como solução, dizendo-se descrente quanto a propostas como uma renda mínima universal temporária. “Não devemos ir pelo caminho fácil de desconsiderar as diferenças de situação de quem ‘é pobre’ ou ‘está pobre’. As pessoas devem ser atendidas na medida das suas necessidades. ”

Estudo do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais aponta que uma queda de 1% no emprego, gerada pela crise da coronavírus, levaria a um recuo de 1,4% do Produto Interno Bruto (PIB) e de 1,1% na renda disponível das famílias, em média. O impacto para a faixa com renda de zero a dois salários mínimos seria 20% maior que para a média da população.

Débora Freire, professora do Cedeplar e uma das autoras do estudo, avalia que as transferências de renda são uma forma mais eficiente de endereçar esse problema do que os vouchers em estudo pelo governo.

“O exemplo bem-sucedido do Bolsa Família mostra que transferências diretas de renda são mais efetivas”, diz. “Pessoas mais pobres pagam aluguel, têm que andar de transporte público nos grandes centros. Comida e remédio podem aliviar, mas não dão conta de toda a situação. ”