Valor Econômico, v. 20, n. 4963, 19/03/2020. Brasil, p. A4

Itamaraty cria gabinete de crise para repatriar turistas

Daniel Rittner


O Ministério das Relações Exteriores criou uma espécie de gabinete de crise para reforçar as tentativas de repatriação dos turistas brasileiros “ilhados” no exterior, em meio ao avanço do novo coronavírus e ao fechamento das fronteiras em diversos países.

Há negociações em andamento com companhias aéreas para a operação de voos exclusivos que possam trazer essas pessoas de volta. Voos especiais da Força Aérea Brasileira (FAB) não estão descartados, mas também não constituem o “plano A” do Itamaraty por causa do enorme contingente de turistas com dificuldades em retornar.

A prioridade é convencer as empresas a fazer algumas operações pontuais. Para isso, segundo apurou o Valor, tem havido gestões com embaixadores estrangeiros em Brasília e diretamente nas capitais de países onde há concentração de brasileiros.

Graças à negociação diplomática, foi possível flexibilizar as restrições adotadas pelo Peru e viabilizar o transporte de quase 4 mil brasileiros que estavam no país. Eles serão trazidos em voos da Gol e da Latam.

Um dos problemas, no entanto, é a falta de mapeamento. Não é obrigação dos turistas - nem de residentes no exterior - fazer contato com consulados do Brasil. Resultado: no Peru, por exemplo, o Itamaraty havia conseguido contato com 800 dos 3.770 turistas brasileiros - o número exato foi repassado pelas autoridades migratórias peruanas.

Por isso mesmo, não há estimativas precisas da quantidade de pessoas nessa situação. A avaliação é de que concentrações especialmente preocupantes estão em Portugal e na Espanha, mas o problema se estende para a América do Sul e até para Cabo Verde.

Um caso que ilustra a dificuldade é o do Marrocos. Há, segundo uma fonte diplomática, cerca de 200 brasileiros que estavam viajando no país africano. A companhia aérea local - Royal Air Maroc - interrompeu as operações entre Casablanca e São Paulo. O diálogo entre o gabinete de crise e o governo marroquino tem sido na linha de negociar um voo exclusivo da empresa para trazê-los de volta.

Paralelamente, a própria rotina do Itamaraty foi bruscamente alterada ontem. Um diplomata (primeiro-secretário de carreira) lotado na área de América do Sul recebeu resultado positivo para o teste de coronavírus. Como ele não esteve na recente comitiva presidencial em viagem aos Estados Unidos nem teve contato direto com colegas que participaram da visita, suspeita-se de um caso de “transmissão comunitária” - quando não se identifica a origem da contaminação.

Mais de 95% dos servidores foram dispensados para fazer teletrabalho, o que inclui o secretário-geral Otávio Brandelli - que esteve várias vezes ontem com o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, também positivo para o coronavírus. O chanceler Ernesto Araújo já vinha trabalhando remotamente, de casa, desde que voltou a Brasília da viagem à Flórida e a Washington.

Uma das poucas áreas que estão funcionando na sede do ministério é justamente esse gabinete de crise, com pessoal de vários setores diferentes, sob comando do embaixador Fábio Marzano, atual secretário de Assuntos de Soberania Nacional e Cidadania.