O Globo, n. 32580, 19/10/2022. Política, p. 4

Ringue virtual

Daniel Gullino
Jeniffer Gularte
Camila Zarur
Mariana Muniz
Bruno Góes
Jussara Soares


O ex-presidente Lula (PT) reuniu ontem cerca de 18 mil comunicadores simpáticos a ele para pedir que “suspendam todas as horas vagas” para turbinar a campanha nesta reta final. À frente da militância lulista, o deputado André Janones (Avante-MG) usou o encontro para divulgar uma cartilha com instruções do modus operandi no mundo virtual. A reunião foi uma resposta à live promovida na semana passada pelo presidente Jair Bolsonaro (PL), em que o coach Pablo Marçal (Pros) passou uma série de “missões” para a militância bolsonarista virar votos.

A 12 dias do segundo turno, tanto Lula quanto Bolsonaro tem apostado alto na guerra digital. Os principais movimentos, porém, têm sido comandados por atores sem vinculação direta com as equipes dos presidenciáveis. Eles comandam campanhas paralelas, mobilizando redes de influenciadores, sem limites para fake news, manipulações e todo tipo de baixarias.

A propagação desse tipo de conteúdo num volume nunca visto em disputas anteriores tem preocupado o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), que vem ordenando uma série de exclusão de postagens, mas sem conseguir conter a enxurrada de mentiras sobre os candidatos. O presidente da Corte, Alexandre de Moraes, se reúne hoje com representantes de plataformas como Twitter, Facebook, Tik Tok e Kwai para discutir o assunto.

De olho nisso, o corregedor geral da Justiça Eleitoral, Benedito Gonçalves, abriu ontem uma investigação sobre uma rede usada para favorecer Bolsonaro. A decisão do ministro atende a um pedido da campanha do PT, que apontou a existência de um “ecossistema de desinformação” que teria como ponto central o vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), responsável pela estratégia digital do presidente. Segundo o magistrado, “há indícios de uma atuação concertada para a difusão massificada e veloz de desinformação” que tem Lula como principal alvo. 

Pautando o debate

Além da rede apontada pelo PT, a estratégia bolsonarista conta com a mobilização de aliados para atuar de forma coordenada. O deputado eleito Nikolas Ferreira (PL-MG), que teve 1,4 milhão de votos, criou um grupo no Telegram batizado de Operação Vira Brasil.

— A gente vai mandar mensagens diárias informando para vocês como virar o voto. Conteúdo de vários vídeos, de vários influenciadores inclusive, para você disseminar. Agora não é aquilo que eu posso fazer, é aquilo que você pode fazer. Você consegue influenciar pessoas que agente aqui não consegue — disse ele, ao divulgar o grupo, que já tem 122 mil membros.

Para Marçal, que também passa instruções diárias via Telegram para os bolsonaristas, é preciso apresentar respostas para o que ele chama de “narrativas de esquerda”:

— Fake news só serve para o povo de direita. É uma terminologia que foi criada pela esquerda — afirmou ao GLOBO.

A mesma estratégia foi adotada por Janones, que diariamente publica instruções a serem seguidas nas redes por meio de seu canal no Telegram, que tem 64 mil integrantes. O assunto que pautou a discussão política nos últimos dias — a afirmação de Bolsonaro de que “pintou um clima” com adolescentes venezuelanas — é um exemplo de como sua atuação pró-Lula tem sido decisiva.

A declaração, dada na sexta feira a um pod cast, só viralizou no sábado, após Janones compartilhá-la. No dia seguinte, a fala passou a ser explorada pela campanha do PT, o que fez a defesa de Bolsonaro recorrer ao TSE. Moraes mandou excluir os conteúdos, mas os vídeos já haviam sido visualizados 32,4 milhões de vezes.

É Janones quem publica, de forma mais explícita, informações enganosas sobre Bolsonaro. O parlamentar viralizou, por exemplo, a falsa informaçãode que o ex-presidente Fernando Collor teria sido escolhido como ministro pelo presidente. O deputado nega que este seja um caso de fake news:

— A gente vê a relação próxima, eles estão sempre juntos, e o Collor abriu mão de um mandato para servir de palanque ao Bolsonaro, isso não foi de graça — disse ao GLOBO.

Como resultado, Janones também é alvo de uma ofensiva jurídica da campanha bolsonarista, que pede a suspensão dos seus perfis até o dia da eleição, e corre o risco até mesmo de perder o mandato. O PP, partido aliado a Bolsonaro, pediu sua cassação na Comissão de Ética da Câmara por quebra de decoro.

No meio desse fogo cruzado, há quem use sua influência par atentar combater as fake news. Felipe Neto, que tem 16 milhões de seguidores no Instagram, tem divulgado vídeos para desmentir Bolsonaro, como fez na sexta-feira, quando rebateu declaração do presidente de que não houve morte de crianças por Covid-19 — apesar dos 2,5 mil óbitos registrados durante a pandemia.

Nesta semana, protagonizou bate-boca virtual com Nikolas sobre o apoio de Lula a governos autoritários na América Latina, numa discussão que mobilizou apoiadores de ambos os lados. Procurados, eles não se manifestaram.