Título: Mais uma oportunidade perdida
Autor: Antônio Oliveira Santos*
Fonte: Jornal do Brasil, 11/11/2005, Economia & Negócios, p. A21

Na atual conjuntura política, parece improvável que o Congresso possa aprovar uma efetiva reforma do sistema tributário, sobretudo para reduzir a carga tributária, simplificar as obrigações impostas aos contribuintes e estimular o desenvolvimento econômico e social do país. Desse modo, teremos mais uma oportunidade perdida, tal como ocorreu no governo anterior. Melhorar a competitividade do produto nacional, reduzir as incertezas do contribuinte, racionalizar e simplificar a tributação, impor carga justa e equilibrada são preocupações dos contribuintes, pessoas físicas e jurídicas. No setor público, a ordem é arrecadar o que gastar, o avesso do que o bom senso recomenda. Na realidade, o que interessa ao Ministério da Fazenda e às Secretarias de Fazenda de estados e municípios é aumentar receitas. O resto é retórica.

A incapacidade do governo federal e do Congresso em modernizar o sistema tributário está confirmada pelo que resultou da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 41, de 30/04/03, apresentada pelo presidente da República. Como uma pizza, a PEC nº 41 foi fatiada em seis porções. Duas delas resultaram nas Emendas Constitucionais nº 42, que mantém adicionais criados pelos estados, e a nº 44, que aumentou, de 25% para 29%, a participação dos estados na receita da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (Cide). Vagueiam pelo Congresso Nacional as PECs nº 285/04 e 293/04, fatias restantes da PEC original.

A PEC 285 centra-se no ICMS. Como se fosse a panacéia de todos os males desse imposto, o mote que alimenta o seu lento caminhar é o chamado ¿regulamento único do ICMS¿, que substituiria a legislação das 27 unidades da Federação. O grave é que muitos se manifestam favoravelmente à tal proposta, sem se aprofundar no exame de seu conteúdo. Para merecer o apoio dos contribuintes, seria necessário que o ¿regulamento único¿ atendesse a requisitos primários do princípio da simplificação, que, no mérito, fosse útil para a competitividade nacional e, ainda, que separasse o ¿joio do trigo¿ dos regulamentos estaduais. No entanto, o remendo, impropriamente chamado ¿reforma¿, é, uma vez mais, focado no interesse do Estado e não nos da sociedade. Além disso, não guarda qualquer compromisso com a economia globalizada do século 21. É, em verdade, um exercício de superficialidade técnica e política, sem nexo com a realidade empresarial brasileira e mundial.

A PEC prevê cinco faixas de alíquotas, com a máxima em 25%, o que resultará no aumento da carga, pois a alíquota interna modal, hoje, é da ordem de 17-18%. Com um agravante: é inserida, no texto constitucional, a norma que garante o ¿ICMS por dentro¿, o que elevará a alíquota efetiva para 33%. As alíquotas do ICMS serão uniformes em todo o país, em número máximo de cinco, mas a lei estadual poderá estabelecer um adicional de até cinco pontos percentuais, incidentes sobre no máximo quatro produtos e serviços, pelo prazo de três anos. Ora, a uniformidade das alíquotas foi proposta para acabar com as dezenas de alíquotas hoje existentes (estima-se em 44), mas a emenda poderá criar algo pior, porque os estados certamente acrescentarão os cinco pontos percentuais às alíquotas de produtos enquadrados no teto de 25%, elevando-a para 30%. Calculando-se o ICMS ¿por dentro¿, a alíquota real será de 42,8%. O acréscimo seria temporário, mas, em nosso país, tudo que é temporário, em matéria tributária, torna-se definitivo.

O pior está na definição do pagamento do imposto e na utilização do crédito. Sob esse aspecto, a simplicidade dará lugar à complexidade. São criadas ¿alíquotas de referência¿, que não poderão ser superiores às alíquotas internas. Ao estado de destino será garantido, de pronto, o recebimento de parte do ICMS, pois ele será cobrado no estado de origem. O contribuinte que, sediado num estado, transacionar com todos os demais, terá uma enorme complexidade pela frente. A parcela do ICMS cobrado na origem e repassado ao estado destinatário não irá gerar crédito para o remetente, em relação ao ICMS cobrado em operações anteriores. O texto também estabelece que uma lei complementar terá de definir a forma pela qual o ICMS será atribuído ao estado destinatário, podendo condicionar o aproveitamento do crédito fiscal ao efetivo pagamento do ICMS no estado de origem. Isso é grave, pois imporá ao agente econômico privado a função de fiscal de outro agente econômico privado.

A lógica que permeia o novo sistema de débito e crédito desconsidera a federação e sugere que produção e consumo ocorram, apenas, nos limites geográficos de cada estado, como se fossem, cada um deles, um estado unitário independente. Enquanto o mundo caminha em direção a um imposto sobre o valor agregado, nacional, único, moderno, o Brasil insiste em ser diferente e irracional. O empresariado brasileiro deve ficar atento. À ilusão de um ¿regulamento único¿, desconhecido, sobrepõe-se à realidade de uma elevação substancial da complexidade e da carga tributária. Um grupo empresarial simulou os resultados de quem compra preponderantemente num determinado estado e vende para fora desse estado: a carga subiu 76%! Noutra simulação, a compra e venda de e para vários estados, com preponderância de 60% de vendas interestaduais, revela um aumento de 28% na carga tributária. Se a preponderância for interna, na mesma proporção, o aumento será de 15%. Outro grupo, com base em sua situação real, constatou que, se aprovada a PEC nº 285, teria pago 26,8% a mais de ICMS, no mês de abril passado.

Sem dúvida, o novo ICMS, como estabelecido na PEC nº 285, importará no aumento da carga tributária e dos custos administrativos das empresas. Em tais condições, o melhor é que o governo do presidente Lula, até para evitar desgastes, trabalhe pelo arquivamento da PEC nº 285.

*Presidente da Confederação Nacional do Comércio