Título: "Nós estamos trabalhando para isso"
Autor: Eduardo M. Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 20/11/2005, Opinião, p. A15

No ultimo dia seis, exatamente após os 22 minutos de sua palestra em Brasília, sobre o objetivo de maior integração entre as Américas, o presidente George Walker Bush desceu alguns degraus em direção à platéia para cumprimentar alguns convidados. Quando estendeu as mãos para mim, tivemos uma rápida, porém relevante conversa: - Sou o senador Eduardo Suplicy, do Partido dos Trabalhadores. Com relação à integração das Américas, deveríamos ter o objetivo de não somente permitir o livre movimento de capital, bens e serviços, mas principalmente o livre trânsito de seres humanos, do Alasca até a Patagônia. Mais do que isso, deveríamos ter o que vocês já têm no Alasca com sucesso, renda básica de cidadania para todos os residentes naquele Estado. - No Alasca eles têm muito petróleo - disse o presidente. - Mas podemos ter uma renda básica proveniente de todas as formas de riqueza que são criadas - disse eu. Gostaria também de sugerir que, para criar as condições para uma paz real com base na justiça no Iraque, deveríamos estimular os iraquianos a seguir o exemplo do Alasca que distribui todos os anos uma renda básica a toda sua população. - Nós estamos trabalhando para isso! Obrigado - disse assertivamente o presidente. Fiquei muito surpreso e satisfeito com suas observações por várias razões. Em maio de 2003, após a nomeação do brasileiro Sergio Vieira de Mello como Coordenador das Ações das Nações Unidas no Iraque, escrevi-lhe sugerindo que aconselhasse os iraquianos a seguir o exemplo do Alasca para criar condições reais de justiça, igualdade, liberdade e paz entre a população, após longo tempo de caos, violência e guerras. No início dos anos 60, o prefeito de Bristol Bay, Jay Hammond, uma pequena vila de pescadores, observou que de lá saía grande riqueza, mas muitos continuavam pobres. Propôs então a introdução de um imposto de 3% sobre o valor da pesca. Demorou cinco anos para persuadir a população. O sucesso foi tanto que dez anos depois ele se tornou governador do Estado do Alasca - que naquela época descobriu grandes reservas de petróleo. Em 1976, já governador, Jay Hammond disse aos 300 mil habitantes do Estado que eles deveriam pensar não apenas na sua geração, mas também nas futuras, uma vez que o petróleo é um recurso não-renovável. Sugeriu separar 50% dos royalties provenientes da exploração de recursos naturais para a constituição de um fundo que pertenceria a todos. Desde o início dos anos 80, então, 50% de royalties foram aplicados em investimentos imobiliários, títulos do governo dos Estados Unidos, ações de empresas do próprio Alasca e internacionais, incluindo hoje 16 empresas brasileiras - isso mesmo: nós, brasileiros, também contribuímos para o Fundo. O patrimônio líquido do Fundo Permanente de Alasca subiu de US$ 1 bilhão no início dos anos 80 para US$ 31,5 bilhões em 2005. Cada residente no Alasca há mais de um ano recebe um dividendo anual que aumentou de US$ 300 para cerca de mil dólares, independentemente da origem, sexo, raça, estado civil ou condição sócio-econômica. Durante a década de 90, o Alasca distribuiu a todos os seus residentes cerca de 6% do seu PIB. O Alasca tornou-se então o Estado mais igualitário dos 50 Estados americanos. Hoje tem 700 mil habitantes. Expliquei também a Sergio Vieira de Mello que propus a instituição de uma renda básica no Brasil, e que, de fato, já existe uma lei, instituindo a introdução gradual - começando pelos mais necessitados - sancionada pelo presidente Lula em janeiro de 2004. Sérgio respondeu-me, dizendo que iria propor a idéia às autoridades administrativas do Iraque. No dia 23 de junho de 2003, em Amã, na Jordânia, durante o Encontro de Reconciliação Mundial, o Embaixador Paul Bremmer III afirmou que estava sugerindo aos iraquianos seguir o exemplo do Alasca. No dia primeiro de agosto, Sergio me telefonou de Bagdá, dizendo que a idéia foi muito bem aceita, e que a missão do Banco Mundial a considerava viável. No dia 19 de agosto ele foi assassinado. Muitos outros autores escreveram a favor da renda básica no Iraque e em todas as nações, como James Tobin, John Kenneth Galbraith, James Edward Meade, Guy Standing, Philippe Van Parijs e Jay Hammond, que faleceu aos 83 anos no último dia 2 de agosto. Encontrei-o na Conferencia de USBIG de 2004, em Washington D.C.. Perguntei-lhe se conhecia a proposta do Thomas Paine no seu ensaio de 1795 ''Agrarian Justice'' para a Assembléia Nacional da França, onde ele explicou por que todos deveriam participar na riqueza de cada nação através de uma renda e de um capital básicos. Ele não conhecia, mas ficou muito feliz que a sua idéia já havia sido defendida por um dos principais fundadores das Revoluções da América e da França. Disse-me estar tentando uma conversa com o presidente Bush, para disseminar a idéia para toda América e também para os iraquianos. Acredito que o presidente Bush deve realmente trabalhar para isso.