Título: Juros, crescimento negativo e Keynes
Autor: Rubens Penha Cysne
Fonte: Jornal do Brasil, 04/12/2005, ECONOMIA & NEGÓCIOS, p. A21

Causou surpresa em alguns setores o fato de o PIB no terceiro trimestre ter apresentado crescimento negativo da ordem de 1,2%. Um pouco de leitura da Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda, livro de John Maynard Keynes publicado em 1936, entretanto, teria evitado esta surpresa. Ter-se-ia percebido que apenas a crise política já teria se encarregado de restringir o consumo de bens duráveis, a formação de estoques e as novas empreitadas do governo, das estatais e do setor privado, não sendo necessário apoio adicional dos juros. Como isto não foi levado em consideração nos modelos utilizados para a previsão dos efeitos de política monetária, surge esta surpresa toda com o crescimento negativo. Alertei sobre estes efeitos futuros que a crise política teria sobre a demanda ao publicar, em 21/07/2005, neste Jornal do Brasil, o artigo Conservadorismo Excessivo. Uma das maiores contribuições de Keynes, certamente um dos economistas de maior expressão no século passado (senão o de maior expressão), foi deixar claro que investimentos não gostam de instabilidade, em particular de instabilidade política. A crise política que se iniciou em junho gerou um esfriamento da economia. Retardaram-se vários novos projetos do setor público, aí incluídos aqueles das estatais, pelo simples fato que a tomada de decisões passou a ser mais minuciosa e complicada. A reboque, o setor privado, um grande dependente direta ou indiretamente da renda gerada pelo governo, sofreu retração semelhante. Regrediram em particular os investimentos, tanto em função da falta de demandas do setor público quanto em decorrência da grande incerteza reinante no terceiro trimestre. A Formação Bruta de Capital Fixo passou de uma alta de 4% no segundo trimestre para uma queda de 2,1% no terceiro trimestre. Não havia necessidade, para se conseguir obter a meta de inflação anual, de fomentos tão fortes da parte dos juros. Não precisava matar duas vezes o doente, ainda por cima encarecendo a rolagem da dívida pública. Contudo, cabe observar, em defesa da política do Banco Central, que o cálculo da dinâmica dos efeitos de política monetária é, ainda hoje em dia, uma grande dificuldade em economia. Não apenas aqui, mas em qualquer país, a política econômica pode acabar por majorar os ciclos e a incerteza econômica, em lugar de cumprir o seu papel de reduzi-las. Os juros elevados de uma certa data, reduzindo a contratação de novos investimentos, valorizando o câmbio real e deprimindo as exportações, podem acabar por se fazerem sentir em uma data onde a economia já estaria deprimida por outros motivos, desta forma majorando (ao invés de diminuir) o ciclo econômico. Neste caso, a política pública acaba por ter um efeito perverso sobre o bem-estar dos cidadãos que a sustentam com seus votos. Cabe também ressaltar que o crescimento que interessa é o de longo prazo. Ainda se espera que a economia cresça entre 2,5% e 3,2% em 2005, quando então a renda média do brasileiro terá crescido, aproximadamente, algo entre 1,0% e 1,7%. A notícia boa é que se trata de um crescimento positivo. A ruim, que este crescimento está bem aquém dos 3,7% em média que se espera dos demais países emergentes. Estamos perdendo terreno rapidamente. Em termos de perspectivas de longo prazo, entretanto, o debate público deveria ser não sobre as taxas mensais (em 2006, bimensais) do Copom, ou do crescimento do PIB trimestral. Mas sim sobre itens que requerem maior dedicação (ou menor comodismo) na análise, o principal deles sendo a qualidade das despesas do setor público. Uma vez identificado como se pode gastar melhor, o próximo passo, institucional, será reverter a camisa-de-força da vinculação de receitas estipulada pela Constituição de 1988. Mas isto é matéria para outro artigo.

Professor da Escola de Pós-Graduação em Economia da FGV (EPGE/FGV) e visiting scholar do Departamento de Economia da Universidade de Chicago