Título: Além do Fato: Sucesso na improvisação
Autor: Francisco Rodríguez Vásquez
Fonte: Jornal do Brasil, 15/01/2006, Internacional, p. A9

Com a turnê realizada por Evo Morales pela América Central, Europa e Ásia, ficou demonstrado que a hipótese de que a comunidade internacional questionava e rechaçava um provável governo do Movimento ao Socialismo (MAS) estava equivocada. O objetivo traçado pelo MAS, de demonstrar ao povo boliviano que o novo governo seria bem recebido e teria apoio dos outros países, foi amplamente demonstrado à luz dos resultados obtidos nos países pelos quais a comitiva passou. Ao endosso quase incondicional dos governos de Cuba, Venezuela, Espanha, Bélgica, Holanda, França, China, África do Sul se soma, ainda, as respostas do Brasil de Luiz Inácio Lula da Silva e da Argentina de Néstor Kirchner.

Ainda que o MAS, antes das eleições gerais de 18 de dezembro, não houvesse previsto nem tinha uma política exterior coerente com um governo de esquerda, depois do pleito, com 53,73% dos votos, o MAS se viu obrigado a enfrentar o desafio de `construir¿ um governo de todos os bolivianos. Foi na semana posterior aos comícios que o MAS, em um árduo, difícil e renhido encontro dos candidatos eleitos, definiu ¿ por escassa maioria ¿ que o presidente eleito Evo Morales Aima fizesse um giro por vários países da Europa de forma a demonstrar aos incrédulos que não seria marginalizado por governos estrangeiros.

Durante a campanha eleitoral, os partidos de oposição ao MAS veicularam anúncios nas tevês nos quais davam a entender que um mandato nas mãos desse partido político poderia ¿bloquear¿ o desenvolvimento da Bolívia e, em conseqüência, diminuiria a cooperação e ajuda internacionais, que seria desviada para outros países.

Tal posição foi tão forte que no encontro as bases do MAS optaram que seu líder enfrentasse esses governos dentro de suas próprias nações. Isso para dar conta de que as intenções da legenda no governo não são outras que retirar o país do atraso e reativar a combalida economia nacional.

Recluso antes de iniciar a viagem, Morales esteve antes no Brasil, onde se encontrou com Lula. A ele assegurou que a Bolívia não confiscaria nem expropriaria bens de empresas petrolíferas quando assumisse o cargo. A respeito disso, é bom frisar que na Bolívia a empresa de capital misto Petrobras é uma das maiores investidoras na área de hidrocarbonetos e opera não só a exploração, como o beneficiamento e a comercialização do produto. Além disso, administra as duas refinarias mais importantes instaladas em território boliviano.

¿Na Bolívia vamos exercer o direito de propriedade se ganharmos as eleições. Isso não significa nem confiscar nem expropriar bens das petrolíferas¿, disse nessa oportunidade Morales, na sede do governo brasileiro. A frase foi proferida após uma reunião de duas horas, exatamente um mês antes das eleições.

Nesse sentido, a viagem inicial de Morales foi para Cuba, país do qual se declara solidário e com cujo líder, Fidel Castro, mantém uma amizade de muitos anos e de quem recebeu a promessa de assinar ¿ um dia depois que jure como presidente constitucional ¿ um convênio de ampla cooperação nas áreas de saúde e educação.

Tampouco se deve esquecer que no passado, Morales foi premiado pelo líder líbio Muamar El Kadafi. O ditador é parte das relações do agora presidente eleito da Bolívia.

Posteriormente, na República Bolivariana da Venezuela, em entrevista com seu presidente, Hugo Chávez Frías, obteve o mais amplo apoio a seu governo. Caracas se comprometeu a cooperar com a Bolívia no tema do gás natural e do petróleo.

Também na Espanha, em sua visita ao primeiro-ministro José Luis Rodríguez Zapatero, Morales novamente obteve o reconhecimento à legitimidade de seu amplo triunfo nas urnas, através do voto livre e direto. A ele, o boliviano também garantiu que a petroleira espanhola Repsol não teria inconvenientes com a nova administração de La Paz, que se apega à lei e a cumpre.

Similar situação deu-se também na Bélgica, Holanda, França, China e até na África do Sul. Era de se esperar ainda que similares respostas positivas seriam dadas a Morales pelo brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva e o argentino Néstor Kirchner.