Título: Brasil e Argentina: uma aliança estratégica
Autor: Renan Calheiros
Fonte: Jornal do Brasil, 23/01/2006, Opinião, p. A11

Integração, respeito e equilíbrio. Estes são princípios básicos que devem reger a parceria entre Brasil e Argentina, fundamental não apenas para o desenvolvimento econômico e a interação política dos dois países, como para o fortalecimento do Mercosul e a consolidação da Comunidade Sul-Americana de Nações. Motivos de sobra para justificar a atenção com essa aliança estratégica, que vem sendo construída cuidadosamente ao longo dos últimos vinte anos. A visita do presidente Néstor Kirchner ao Brasil - trazendo na bagagem o peso político da recuperação econômica argentina e um crescimento recorde do PIB do país, de 29,5% entre 2003 e 2005 - foi festejada como um estreitamento dos laços entre os dois países sul-americanos, cujas relações já passaram por altos e baixos, com momentos de euforia conjunta e outros de desalento. As crises financeiras na virada do século não apenas fizeram sentir seus efeitos negativos sobre o comércio e sobre os investimentos no Brasil e na Argentina, como arrefeceram o impulso integrador das relações entre as duas nações. Multiplicaram-se, na época, os prognósticos sombrios sobre o futuro do Mercosul. Em novembro passado, porém, a reunião de Porto Iguaçu consolidou uma nova etapa - mais madura e positiva - no relacionamento Brasil-Argentina, com a assinatura de mais de duas dezenas de acordos e protocolos. Isso, exatos vinte anos depois do encontro emblemático entre os presidentes José Sarney e Raúl Alfonsín.

Não há, no entanto, como negar a existência de assimetrias na relação bilateral Brasil-Argentina. O Brasil é hoje o quarto maior investidor na Argentina e seu primeiro parceiro comercial. Em 2005, o comércio bilateral ultrapassou os 16 bilhões de dólares, um recorde histórico. Mas, embora este comércio tenha forte presença de produtos manufaturados, contribuindo para a industrialização de ambas as economias, a balança comercial tem, com certeza, pendido favoravelmente para o lado brasileiro. O governo brasileiro já demonstrou estar aberto para aperfeiçoar acordos setoriais e, durante a visita do presidente Kirchner, comprometeu-se a acelerar projetos conjuntos e a estabelecer um mecanismo regular de encontros presidenciais semestrais para manter afinada a aliança entre os dois países.

Temos todos que apostar na solidez desta aliança estratégica com o nosso maior sócio no Mercosul, inclusive para superar eventuais arestas com os outros sócios do bloco sul-americano. Sabemos bem que a integração regional é o melhor caminho para que tenhamos força e competitividade no mercado internacional. E que a Comunidade Sul-Americana de Nações vá trazer mais progresso, mais justiça social e mais confiança nas possibilidades e capacidades de nossos países.

Nesse exercício de diálogo e cooperação entre Brasil e Argentina, o Congresso Nacional tem dado uma contribuição efetiva. Ao receber o presidente Kirchner, na semana passada, fizemos questão de salientar que o Legislativo brasileiro jamais deixou de acreditar e apostar na integração entre os dois países. Exemplo disso é o trabalho cotidiano das comissões encarregadas de fazer avançar o projeto integrador, assim como a boa vontade com que sempre apoiamos e aprovamos os projetos bilaterais e do Mercosul submetidos ao exame do Congresso. Se nossa confiança na integração já era clara mesmo quando a conjuntura se apresentava desfavorável à aliança, ela é agora ainda mais forte, quando Brasil e Argentina, recuperados, se permitem encarar o futuro de forma otimista e com renovado compromisso com o desenvolvimento econômico e social.

O Congresso Nacional brasileiro continuará fazendo a sua parte pelo fortalecimento dos laços que unem os dois países, certo de que a superação das rivalidades e desconfianças do passado é parte fundamental do processo de amadurecimento político de nosso continente. Finalmente vemos, com entusiasmo, a aprovação, em dezembro passado, pelos presidentes da Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai, do Protocolo Constitutivo do Parlamento do Mercosul. O Parlamento, que será instalado até o final deste ano em Montevidéu, não só irá aprofundar nossa integração política, como contribuirá, significativamente, para o fortalecimento da democracia em nossa região.

E democracia, paz, justiça social e prosperidade são, sem dúvida, o destino com que todos sonhamos para o continente sul-americano.