Título: Ação incompleta
Autor:
Fonte: Jornal do Brasil, 19/01/2006, Internacional, p. A9

Num terreno devastado pela insatisfação e pelo descrédito popular - decorrentes dos abusos infinitos a que cidadãos honestos têm assistido, impotentes e espantados, no Congresso - é bem-vinda qualquer mudança que reduza o espetáculo da sem-vergonhice. Assim, embora parcialmente, é possível comemorar a aprovação, na Câmara, do projeto que acaba com o pagamento de dois subsídios na convocação extraordinária do Congresso. Os elogios são apenas parciais, no entanto, porque o fim da remuneração adicional não ameaça, por exemplo, os R$ 25 mil embolsados na convocação extra em curso - apesar da gazeta de muitos, do desinteresse de outros tantos e do trabalho de poucos. (A primeira parcela do pagamento deste ano já foi paga, e a segunda sai em fevereiro). Ademais, foi mantida a ajuda de custo que os parlamentares recebem no início e no fim de cada ano - duas parcelas de R$ 12.800.

O mesmo sentimento de frustração pode ser percebido diante do acordo, fechado ontem, para a redução do recesso parlamentar. Se consumado o acerto, as férias dos representantes brasileiros no Congresso diminuirão de 90 para 55 dias. Um espanto. A sensatez sugeriria que prevalecesse, pelo menos, o descanso de 45 dias. Ainda assim, seriam 15 a mais do que as férias da esmagadora maioria dos brasileiros com emprego.

O presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo, classificou o acordo como ''um avanço importante'', sublinhando, com o apoio de deputados de oposição, que se trata de um dos menores recessos parlamentares do mundo. Pode ser.

Mire-se, então, na semana de trabalho do Congresso brasileiro e o compare com a rotina dos colegas de países como Estados Unidos e Inglaterra. A jornada em Brasília, convém lembrar, é a mais curta do mundo: dois dias e meio por semana. Expediente exaustivo, a tirar pelo tamanho das férias anuais! De sexta a segunda, os pais da pátria voltam para os estados de origem para a obrigatória ''visita às bases''. Com tudo pago pelo contribuinte. O privilégio soma-se a ousadias pecuniárias de causar inveja aos colegas do Primeiro Mundo.

Da horta de mordomias brotam ainda benefícios como auxílio-paletó, auxílio-moradia e verbas de indenização para gastos sem laços aparentes com o exercício do mandato. O saldo desalentador de custos e benefícios dos nossos parlamentares sugere que o país não suporta mais tamanho escárnio. São muitos os gastos e poucos os resultados, em proporção insuportavelmente incompatíveis. Por essas razões, é justificável o incômodo popular com o atual nível do Congresso - a despeito, claro, das exceções habituais.

Tão justificável quanto a tentativa - modesta, insista-se - de arrefecer a longa e tenebrosa corrosão da imagem da Casa. O Jornal do Brasil vem insistindo em sucessivos editoriais que há uma trilha fundamental a seguir: a redução do número de cadeiras na Câmara. Da forma como está, com 513 deputados, apenas se favorecem as artimanhas, os acordos espúrios e as votações demasiadamente custosas (posto que balizadas pelos interesses paroquiais do grupo mais clientelista).

A incompetência do Congresso hoje esconde-se sob seu tamanho. Convém descortiná-la.