Título: A China e verticalização
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 27/01/2006, Outras Opiniões, p. A15

As brumas começam a dissipar-se. O claro escuro das eleições desaparece. Toda a área política estava imobilizada e sem estratégia porque a regra que mais afetava o processo eleitoral ainda não estava definida: a verticalização. Essa palavra e esse fantasma passaram a surgir no vocabulário político a partir da última eleição. E surgiu como uma bomba quando o Tribunal Superior Eleitoral determinou que os partidos tinham que casar no civil e no religioso, isto é, nacionalmente e no âmbito estadual. Foi uma confusão dos diabos e só serviu para tumultuar as eleições e criar todas as infidelidades. Ontem, a Câmara dos Deputados deu a largada na sucessão e já no fim da noite as conversas políticas e as seduções de alianças estavam a todo vapor.

Daqui a três dias, domingo, dia 29 de janeiro, começa o Ano Novo chinês, conforme o seu calendário, baseado no ciclo lunar com meses de 28 dias. A folhinha deles tem motivação histórica e remonta ao mítico Imperador Amarelo, que fundou a civilização chinesa e estabeleceu um tempo comum, assim como o papa Gregório XIII, que fez nosso calendário.

E como lá cada ano começa com um signo baseado nos bichos, este será o Ano do Cachorro, que também governará, embora da China, o nosso ano eleitoral. Dizem lá que é o ano da família, porque o cachorro é de casa e do chão, amigo das pessoas, e possibilitará aos pobres chineses do campo, mais apegados às coisas da astrologia, compreender melhor a vida de cachorro que levam.

Se nossos políticos quiserem o palpite do ano, as cores melhores e mais chamativas para as camisetas dos eleitores serão amarelo, ocre e bege.

Mas a China comemora o ano com uma excepcional vitória: seu Produto Interno Bruto (PIB) cresceu 9,9% e passou os da Inglaterra e da França, situando-a em 4º lugar na corrida das economias mundiais, com uma cifra de US$ 2,26 trilhões.

É o chamado milagre chinês, que não é milagre nenhum, mas uma planejada e bem sucedida política concebida por Deng Xiao Ping, a ''economia socialista de mercado''. Esse modelo que fez da China um global player teve início nas Zonas de Processamento de Exportação, as ZPE's, que eu tentei implantar no Brasil e não pude porque houve uma grande reação de setores do nosso empresariado, aqueles que têm a mentalidade de um capitalismo sem risco e sem concorrência.

Os chineses descobriram um caminho de êxito e seu crescimento é constante, no princípio com passos pequenos e nos últimos tempos na faixa de 10% ao ano.

Ninguém duvida mais que em poucos anos a economia chinesa alcançará a americana. Aí teremos uma luta de gigantes, não digo ursos, porque na China tudo tem símbolo e as relações EUA e Pequim tem como emblema o Urso Panda, que está em extinção, mas para eles vai ser preservado, assim como a relação entre outrora inimigos e hoje parceiros.

Tomara que este ano, para nós, que não temos bichos no calendário, não seja um ano de cachorro, candidatos mordendo candidatos, pit-bulls e rottweilers. Até mesmo porque, se assim for, já 4.704, o próximo ano, será o Ano do Porco e ficará muito feio, os eleitos serem acusados de uma campanha porca.

Vivam a derrubada da verticalização e o Ano do Cachorro!