Título: Para nunca mais esquecer
Autor: Eduardo Suplicy
Fonte: Jornal do Brasil, 29/01/2006, Outras Opiniões, p. A11

A partir deste ano, 27 de janeiro será uma data para uma reflexão profunda. É o Dia Internacional em Recordação das Vítimas do Holocausto, instituído pela ONU em novembro passado, para rejeitar qualquer negação do Holocausto e intolerância religiosa, e assim evitar outros genocídios e atos de intolerância no resto do mundo. Ao final da Segunda Guerra Mundial, em 1945, o mundo viu estarrecido, através de fotos e filmes, o horror que acontecia nos campos de concentração e extermínio nazistas. Conheceu os relatos dos sobreviventes, daqueles que escaparam do envenenamento, dos fuzilamentos e dos fornos crematórios em Treblinka, Sobibor e Belzec, e dos que viram sua família, seus amigos, seus vizinhos, seus entes queridos morrerem em Dachau, Majdanek e Auschwitz com um gás desenvolvido pelos alemães para matar mais depressa, o Ziklon-B.

Da barbárie ocorrida na Segunda Guerra o que mais choca é o método eficiente e sistemático da matança em massa. A verdadeira extensão do Holocausto só foi conhecida após o final da Guerra, quando as forças aliadas entraram nos campos e libertaram os presos.

Nas fotos vemos homens, mulheres e crianças apavorados, esqueléticos, quase nus, morrendo de frio, fome, doença e medo. O mundo não esquece a imagem da máquina retroescavadeira atirando centenas, milhares de corpos em valas que, segundo os que sobreviveram, foram abertas pelos próprios prisioneiros antes de morrer.

Antes do final da guerra, testemunhas e fugitivos relatavam com detalhes o que se passava naqueles campos de extermínio, principalmente a morte dos judeus, que ocorria numa escalada crescente a ponto de ser chamada de ''morte massiva'' Por isso, em 29 de outubro de 1942, houve um grande protesto em Londres, promovido por políticos e autoridades religiosas, que manifestaram seu horror diante da perseguição dos nazistas.

Outros povos considerados ''de raça impura'', como os ciganos, foram perseguidos e massacrados da mesma forma. E também os que tinham comportamento não aceito pelo governo de Hitler, como os homossexuais e os religiosos que se recusavam a seguir para a guerra. Ou ainda os inimigos ideológicos do nazismo, que formavam a resistência alemã, em sua maior parte composta por socialistas e comunistas. Somaram milhões.

Toda essa parte da humanidade foi exterminada em nome de uma loucura chamada ''raça branca e pura'' e da sede desmedida de poder e conquista. Para isso, os nazistas se desumanizaram, perseguindo, humilhando, torturando e matando com crueldade. Ninguém escapava. Nem crianças, nem bebês.

A palavra Holocausto significa completamente (holos) queimada (kaustos). Significa também sacrifício, cinzas de cremação, desaparecimento. Era o que os homens da guerra pretendiam, principalmente em relação àquele povo que apesar de perseguido há milhares de anos, como lemos na Bíblia, nunca se perdeu. Eles foram mais fortes do que a morte. Estão vivos nos seus filhos e netos, vigorosos na arte que os recorda - como no filme A Lista de Schindler, de Steven Spielberg e outros tantos.

Foram para o mundo todo, e graças a Deus vieram também para o Brasil, onde encontraram terra firme. E nós ganhamos amigos, como o rabino Henry Sobel, presidente da Congregação Israelita Paulista; Alberto Liberman, da associação da B'nai B'rith, com quem estive uma vez no ato ''Dois Povos, Dois Estados''; o artista plástico Sérgio Sister, só para citar um dos grandes pintores de São Paulo; Débora Annemberg, grande talento da Escola de Cinema da ECA, da USP, mãe de Sandra, que entra todos os dias em nossa casa, apresentando os telejornais da TV Globo, e tantos outros que chegaram e nos ajudaram na luta pela liberdade e pela justiça nos tempos da ditadura e até hoje honram o Brasil com a sua presença. Seja nas colônias de São Paulo, do Recife, de todos os cantos do Brasil onde estão. Aqui servem de exemplo, convivem em harmonia com os vizinhos árabes e não querem saber de guerra.

O holocausto sacrificou mais de seis milhões de judeus. Mas há cálculos aproximados dos outros povos, que não podemos esquecer: 5 milhões e meio de polacos e eslavos não-judeus;4 milhões de prisioneiros de guerra soviéticos; um milhão e meio de dissidentes políticos, que resistiram ao nazismo; de 200 mil a 800 mil ciganos; de 10 mil a 25 mil homossexuais; cerca de dois mil protestantes e católicos que se recusaram a entrar no exército alemão e ir para a guerra, e milhares de doentes, alemães ou não.

Essas são as estimativas das pesquisas oficiais feitas nesses últimos sessenta anos. Mas há quem pense que o número seja maior, de acordo com os arquivos russos, agora abertos aos pesquisadores.

Os judeus carregam consigo a sua história, que é também a nossa, a da humanidade. E demonstram que, diante de crimes lesa-humanidade, devemos ser mais humanos, e portanto aplicar a lei dos homens, punindo os criminosos e não permitindo que os crimes sejam esquecidos. Lembrar para sempre, para que nunca mais aconteça em parte alguma. Shalom!