Título: O carnaval do poder
Autor: Alfredo Ruy Barbosa
Fonte: Jornal do Brasil, 25/02/2006, Outras Opiniões, p. A11

O carnaval do povo dura apenas quatro dias, mas as folias momescas dos três poderes se arrastam há anos sem um fim previsível. Os blocos e as fantasias oficiais são variados e disputam entre si as taças de campeão nas categorias luxo, originalidade e outras. Na primeira, um forte concorrente é o bloco das ilicitações, formado pelas empresas, bancos e fundos de pensão estatais que alimentaram o ''valerioduto'', o ''dudaduto'' e outros dutos que jamais serão revelados graças à colaboração dos amigos integrantes do bloco do STF. O samba-enredo do grupo das ilicitações canta louvores àqueles cuja vitória já era conhecida antes mesmo da abertura das propostas. Nesse sambódromo, as ''regras especiais'' prevêem um tratamento luxuoso para os campeões, tais como o pagamento de uma elevada quantia por serviços não prestados ou produtos não entregues. Em contrapartida, o vencedor do desfile transfere uma parcela dos seus ''honorários sem honra'' ao caixa-dois do PT ou aos ''mensaleiros'' da comissão de frente do governo. Outro concorrente na categoria luxo é o bloco governista que acaba de isentar os especuladores estrangeiros do pagamento do imposto de renda sobre os seus lucros nas bolsas de valores. Para o atual governo, pagar imposto de renda é um privilégio reservado apenas aos brasileiros, de preferência os assalariados. Na categoria ''espetáculo do crescimento'', foi declarado vencedor o bloco dos corruptos, que aumentou o número dos seus integrantes de forma espetacular. Esse bloco está agora planejando um grande baile: a ''Noite do Trilhão, para comemorar a vitória do grupo sobre a meta de um bilhão alcançada pelo Collor na sua campanha presidencial. Para essa turma, é um ''orgulho'' superar o esquema então montado por PC Farias, que hoje seria um mero discípulo de Valério. Os integrantes desse bloco pensam igual ao inglês de uma anedota ao qual perguntaram: ''Quem é maior? Deus ou o dinheiro?'' O inglês respondeu: ''Ora, gold (ouro) tem uma letra a mais do que God (Deus)''.

Na categoria luxo, concorre, também, o bloco dos tribunais com a fantasia do nepotismo, que deverá, entretanto, adaptar suas plumas à recente decisão do STF, que, pressionado pela opinião pública, determinou uma reforma nessa fantasia. Brevemente, veremos como ficará o novo modelo. O mais provável é que as novas plumas sejam mais numerosas para disfarçar melhor os ricos paetês que enfeitam a Ala do Nepote.

Na categoria originalidade, o presidente Lula vem tentando conquistar a taça de campeão com a fantasia do ''Não Sei''. Mas, em matéria de originalidade, ele já foi superado pelo próprio Collor, que não sabia do esquema PC Farias, e por FHC, que não sabia da possibilidade de um grande ''apagão'' no país, em 1999, apesar de ter sido alertado sobre esse risco com um ano de antecedência. Portanto, o atual presidente não deverá ganhar esse prêmio, mas talvez receba uma menção honrosa pelo formato original que deu à fantasia do ''Não Sei'' ao dizer que desconhece até o que ocorre no andar logo abaixo do seu gabinete no Palácio do Planalto - um endereço que hoje ele adora.

Finalmente, na categoria ''Iraque-Aqui'', empatam os governos do Rio, já que não restam meios nem ''maias'' que resolvam os problemas da cidade, que, por outro lado, foi transformada na Favela da Rosinha. É longo e variado o carnaval do poder, mas será possível acabar com essa folia se, no final da festa, fizermos uma boa faxina nas próximas eleições.

Vamos torcer!