Título: Boa noite, presidente
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 21/01/2005, Opinião, p. A11

Consolidada a vitória no Colégio Eleitoral, surgia o problema de sustentá-la militarmente. Tancredo conhecia esse terrenode sustentá-la militarmente. Tancredo conhecia esse terreno

A eleição de Tancredo em 15 de janeiro de 1985 revelou a mais competente e exitosa engenharia política de nossa história. Nenhum retrocesso, sempre avanços.

Há um lado desse tempo ainda envolto numa cortina de silêncio: o militar. Consolidada a vitória no Colégio Eleitoral, surgia o problema de sustentá-la militarmente. Tancredo, tendo vivenciado todas as crises institucionais, conhecia esse terreno.

Duas hipóteses foram trabalhadas: a negociação com o governo, diga-se hipotecas militares, como aconteceu no Chile e na Argentina, com a cooptação do General Walter Pires para permanecer no Ministério do Exército e outra na construção de um dispositivo autônomo de sustentação.

Tancredo, bom articulador, trabalhou os dois lados. Manteve contatos com o Walter Pires - chegou mesmo a oferecer-lhe a Embaixada em Portugal -, Geisel, Reinaldo Almeida e outros altos chefes. Eu, Aureliano, José Richa e outros atuaríamos na outra área.

Todo mês, reunia-me discretamente, na Academia de Tênis, com o general Leônidas Pires Gonçalves, Comandante do 3º Exército, quando ele vinha a Brasília para a reunião do Alto Comando. Éramos amigos há muitos anos, desde ele major e integrante do Gabinete de Jânio. Leônidas foi o ponto-chave. A ele deve o país, em grande parte, a tranqüilidade da transição.

Construímos uma ampla área de informação, a começar dentro do setor de inteligência do SNI, onde detectamos ''planos radicais para cancelar a eleição presidencial'', mencionados em documento do governo Figueiredo, fato agora confirmado em entrevista do general Octávio Costa.

Ao lado da conquista de delegados, o respaldo militar foi costurado. Recordo um episódio: o ministro Dornelles levou a Tancredo a informação de que na FAB se organizava um manifesto. Tancredo mandou que ligasse para Aureliano. Este ouviu de Tancredo: ''Você tem cinco minutos para responder: Deoclécio ou Moreira Lima?'' Aureliano respondeu: ''Moreira Lima.'' Então Tancredo disse ao Dornelles: ''Dornelles, manifesto, se não está publicado, os que assinaram retiram a assinatura e, se publicado, aderem logo. Anuncia o Moreira Lima e rompe o tumor.'' Se tivesse que falar do meu governo, citava o almirante Sabóia, um dos mais íntegros e melhores homens que conheci na vida.

Na noite em que Tancredo adoeceu, já 15 de março, com a dúvida jurídica sobre a posse do Vice, Leônidas e Ulysses foram a Leitão de Abreu. Logo depois, o Walter Pires, ao ter conhecimento de que seria eu a tomar posse, retrucou: ''Então vou agora mesmo para o Ninistério mobilizar nosso dispositivo.'' O Dr. Leitão de Abreu cortou: ''General Walter Pires, o senhor não é mais ministro. Nos quartéis quem já está dando ordens é o general Leônidas.'' O nosso ''dispositivo'' funcionara.

Naquela mesma noite, depois de resolvidos os aspectos jurídicos da posse, ouvi de Leônidas, às três da madrugada: ''Boa noite, presidente.'' Assim a transição foi feita com as Forças Armadas e não contra elas.