Título: Cem Anos sem Machado
Autor: Maciel, Marco
Fonte: Jornal do Brasil, 19/04/2008, Opinião, p. A9

Eu gosto de catar o mínimo e o escondido. Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu, com a curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto. [...] A vantagem dos míopes é enxergar onde as grandes vistas não pegam". O excerto é de autoria de Machado de Assis na A semana, publicada na Gazeta de Notícias do Rio de Janeiro, em 1900. Faço tais considerações para re- gistrar que este ano, marcado por tantas efemérides, assinala o centenário de falecimento de Joaquim Maria Machado de Assis, o mais citado escritor brasileiro, sobretudo por suas admiráveis incursões nos diferentes gêneros literários ­ romance, poesia, prosa, conto, crítica literária e de teatro, jornalismo e crônica, esta somente mais versada por autores pátrios a partir do século 20. No jornalismo, entendido por Alceu Amoroso Lima como gênero literário, Machado escreveu, com talento, como se afere de centenas de artigos e crônicas publicados em jornais desde 1870 até sua morte. Por entender não poder passar o evento sem homenagear a expressão maior da literatura brasileira, apresentei projeto aprovado nas duas Casas do Congresso Nacional e transformado na Lei nº 11.522, de 18 de setembro passado, instituindo 2008, o Ano Nacional Machado de Assis. Devo mencionar que a Academia Brasileira de Letras, por iniciativa do então presidente Marcos Vilaça, criou comissão com o objetivo de programar eventos para fazer memória da estuante personalidade da cultura pátria. Essa é constituída por Eduardo Portella, Sérgio Paulo Rouanet, Alberto da Costa e Silva, Alfredo Bosi e Antônio Carlos Secchin. para a consolidação da Independência, pois vivíamos convulsões regionais e desafios externos, como a Guerra do Paraguai, e a busca de um adequado travejamento de construção do Estado brasileiro. Observa Machado na referida obra: "É preciso não esquecer que não poucos eram contemporâneos da Maioridade, alguns da Regência, do Primeiro Reinado e da Constituinte [...] Um pouco homens, um pouco instituição...". Isto é, pessoas cujo desempenho transcendia a própria Casa e que se converteram em verdadeiras instituições. "O público assistia, admirado e silencioso". [...] "Nenhum tumulto nas sessões. A atenção era grande e constante". É o que anota o "bruxo de Cosme Velho", como era chamado, em alusão ao bairro em que viveu no Rio. Outro contributo que Machado realizou na política, compreendida como ciência e arte do bem comum, foi através do ensaio Instinto da Na cionalidade, escrito nos idos de 1873. Cético quanto a tantas coisas, não o é, contudo, em relação ao Brasil. Nele vê a consciência nacional brotar, emergindo do sentimento da alma brasileira, da literatura às outras artes e à vida do Brasil, que ainda não tinha 100 anos de vida independente. Ensinam os filólogos que a palavra texto, de raiz latina, vem de tecer. Aliás, a tessitura da obra machadiana é demonstração de sua riqueza estilística, incomum talvez no século em que viveu e que contribuiu para projetar a nação no exterior. Machado, que freqüentou com igual "engenho e arte" os campos da literatura, contribuiu para suscitar talentos na área da cultura e, assim, formar uma consciência crítica com relação aos problemas do país e do mundo. Isso nos conduz a repetir com Nélida Piñon: "Se Machado existiu, o Brasil é possível."