Título: Decisão sobre reserva indígena sai até maio
Autor: Carneiro , Luiz Orlando
Fonte: Jornal do Brasil, 30/04/2008, País, p. A2

O ministro Ayres Britto, do Supremo Tribunal Federal (STF), deve levar ao plenário para julgamento, até meados de maio, uma das principais ações populares com base nas quais o tribunal vai decidir a legalidade da polêmica demarcação contínua, por decreto presidencial, da reserva indígena Raposa/Serra do Sol, que ocupa 1,7 milhão de hectares do Estado de Roraima. O ministro informou ontem que o seu relatório já está praticamente pronto e será enviado a seus colegas enquanto prepara o seu voto.

O subprocurador-geral da República, Roberto Gurgel, enviou ao ministro-relator parecer favorável ao ato do Executivo, com a devida aprovação do chefe do Ministério Público Federal, Antonio Fernando de Souza, ao apreciar petição ajuizada pelos senadores Augusto Botelho (PT) e Mozarildo Cavalcanti (PTB), ambos de Roraima, logo depois do ato de homologação, em abril de 2005.

Em seu parecer ¿ peça que faltava para o julgamento do mérito da questão ¿ Gurgel conclui que todas as fases do processo de demarcação e homologação da reserva "respeitaram os procedimentos exigidos pela legislação e seguiram consistente estudo antropológico". Acrescenta não existir o alegado risco à soberania nacional ¿ referindo-se à preocupação externada pelo general Augusto Heleno, comandante do Exército na Amazônia ¿ já que "há muito são demarcadas áreas indígenas em faixa de fronteira, sendo exemplo recorrente o da área ianomani, em território de 10 milhões de hectares, objeto de portaria firmada, no início da década de 90, pelo então ministro da Justiça, Jarbas Passarinho, eminente integrante de nossas Forças Armadas".

Aspiração indígena

Depois de sublinhar que a Constituição vigente reconhece a necessidade e aspiração dos povos indígenas de assumir o controle de suas próprias instituições e formas de vida, e de manter e fortalecer a sua cultura, o subprocurador-geral comenta que "a qualificação jurídica das terras como `faixa de fronteira¿ implica limitações de ocupação e de utilização que não guardam qualquer incompatibilidade com o domínio privado e, muito menos, com o público, ressalvadas as restrições estabelecidas em lei".

Quanto à defesa das fronteiras, feita por meio do Projeto Calha Norte, Gurgel argumenta:

¿ Se a demarcação de áreas indígenas é vista como ameaça às nossas fronteiras, das duas, uma: ou se recusa aos índios a condição de humanos, ou se tem por incapazes para os fins daquele projeto, conclusões, no mínimo, inadequadas.

O representante do Ministério Público enfrenta, também, a questão ¿ levantada pelos opositores da demarcação contínua da Raposa/Serra do Sol ¿ da possibilidade de pressões externas crescentes sobre a área, rica em recursos naturais, e de desvio de finalidade de organizações não-governamentais que lá atuam.

¿ É preciso fiscalizá-las de forma ativa e com maior firmeza e constância, sem dúvida, o que não elide, todavia, a necessidade de demarcação e o direito dos povos indígenas ¿ afirma em seu parecer ¿ a preocupação deve estar presente no âmbito do governo federal, como parece estar, aliás, com a notícia do envio de proposta legislativa para regulamentar a atuação das ONGs nessas áreas". Ao concluir, Gurgel diz que "a alegação de ofensa ao equilíbrio federativo e à autonomia de Roraima está divorciada da realidade".