Título: Líbano, Jacaré e Zebu
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 18/02/2005, Opiniões, p. A11

Esse clima é preocupante e deve ser amaldiçoado (!), porque ele é a negação do Brasil, país do gosto de viver em paz

A solução do assassinato e do terror está se impondo como caminho para resolver problemas políticos. É um atraso na história da humanidade. O homem primitivo não conhecia outra fórmula senão a violência: o uso do tacape. Hobbes, aquele que refletiu sobre a lei natural, diz que o Estado existe por causa do medo da morte violenta.

O assassinato do ex-primeiro ministro do Líbano, Rafik Hariri, é um acontecimento triste, desolador e brutal. O Líbano tem uma grande ligação com o Brasil. Temos sete milhões de libaneses e outros milhões de descendentes. Eles incorporaram ao sangue brasileiro a sua tradição milenar de convivência. Pelo Líbano passou a história. Antiga pátria dos fenícios, que por 2. 700 anos (A. C.) fizeram florescer uma das grandes civilizações da antiguidade, era um cruzamento entre o ocidente e oriente. Ali passaram Alexandre, romanos, hititas, egípcios, gregos, persas, franceses, turcos. Foi a pérola do Oriente Médio, exemplo de estabilidade. Os franceses, que assumiram o seu Protetorado, construíram um país organizado, cuja Constituição estabelecia que o presidente da República devia ser católico maronita e o primeiro-ministro - chefe de governo - muçulmano. Com as tensões da Guerra Fria, veio a crise Israel versus palestinos que sobrou para o Líbano. Invadido por milhares de refugiados xiitas, o equilíbrio desaparece e a guerra civil iniciada em 1975 destrói o país.

Estive no Líbano para o lançamento de um livro meu - O dono do mar - em árabe, em 1999. Visitei o país todo. De Trípoli no Norte a Sidon e Sultan Yacob no Sul. Visitei o fértil vale do Beka. Fiquei extasiado diante das ruínas romanas de Baalbeck. Ali esteve Dom Pedro II. Emocionei-me em Biblos, onde foi encontrado o primeiro sinal de alfabeto em livro de pedra.

Hariri começou a reconstrução do Líbano, principalmente a gigantesca obra de reerguer Beirute. A Fundação Hariri, de recursos do próprio, restaurou lugares históricos e sagrados (Cafarnaum) e criou milhares de bolsas no exterior para que estudantes libaneses freqüentassem os centros de formação do mundo. Com sua morte, desaparece um dos homens mais dinâmicos a quem conheci pessoalmente, pleno de uma visão universal, sem sectarismo religioso.

Se não bastasse a violência no exterior, no Brasil atravessamos um momento de conflitos e mortes em vários pontos do país, a começar pelo brutal, covarde e vergonhoso assassinato da missionária Dorothy Stang, que dedicou sua vida a serviço de Deus na Amazônia, na causa dos pobres e desamparados.

Em Goiânia, outras morte e as cenas de guerra na expulsão de sem-tetos de um loteamento. Em Parauapebas e Pácajá, sul do Pará, outras mortes.

Esse clima é preocupante e deve ser amaldiçoado (!), porque ele é a negação do Brasil, país do gosto de viver em paz. Tão grave a situação que o Exército brasileiro foi obrigado a intervir.

Como nos tempos da Itália, em Monte Castelo, parece que a ''cobra está fumando'' enquanto um jacaré de 75 milhões de anos dá sua cara em Uberaba e é classificado: Uberabasuchus terrificus!