Título: O século do Brasil
Autor: Mario Garnero
Fonte: Jornal do Brasil, 15/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

Dentre as muitas bençãos que recebi ao longo da vida, um das mais especiais foi interagir com o presidente Juscelino Kubistchek. Recém-saído da Faculdade, pude privar do convívio e amizade do grande estadista, que no início dos anos 60 refletia sobre sua presidência exitosa e transformadora, e o espaço que o Brasil ocupava no cenário internacional.

Em outubro de 1962, JK e eu andávamos a sós, na Vieira Souto, após jantar em seu apartamento. À época, a turbulência internacional não vinha das oscilações do mercado financeiro. Era tempo de uma crise avassaladora, resumo do confronto entre as superpotências na Guerra Fria - a crise dos mísseis em Cuba. Kennedy havia declarado a ''quarentena'' marítima, e não se sabia ainda como os soviéticos reagiriam. JK me disse: ''os russos não irão à guerra. Precisam de tempo. Compare as produções de aço e de energia americana e russa e veja que o conflito é desigual''.

O Brasil, a partir do governo de JK, partira para ocupar, em passado recente, o posto de 8ª maior economia do mundo. No entanto, a infeliz combinação de (I) a ausência de um ''projeto para o Brasil''; (II) a própria perda da noção do que seja nosso ''interesse nacional'', e (III) experimentalismos e outras heterodoxias atrasou-nos em comparação a China, Índia e México, para não citar os mais desenvolvidos.

Contudo, a imensa capacidade empresarial do brasileiro, quando alicerçada por imprescindível vontade política, tem ajudado a recolocar o Brasil no caminho do desenvolvimento sustentado. Apesar de todos os percalços, estamos transformando nossa agricultura, indústria e comércio exterior, no que resulta um PIB, medido pela ótica da paridade do poder de compra, de mais de US$ 1.3 trilhão. É assim que começamos o século 21.

A via a perseguir é clara. Todas as crianças nas escolas, massa crítica científica em expansão, conflitos políticos reduzidos pela razão e pelo entendimento, sociedade civil ativa, imprensa livre e destemida, mobilidade social e vocação empresarial do povo brasileiro. Mas será preciso ainda mais para estar à altura dos desafios do século 21. Já perdemos a corrida do tempo várias vezes no passado. Mas o bom senso que nos livrou de batalhas políticas e sociais sangrentas trouxe-nos uma herança que nos inclina para a negociação e harmonia - e não à confrontação. Os países dividem-se entre lentos e rápidos. Rápidos são os que avançam com novas tecnologias, criando-as ou absorvendo-as; que dispõem de um sistema judicial eficiente e ágil. São países capazes de transformar períodos difíceis em novas oportunidades, como o Brasil o fez com a sua indústria, o seu parque de serviços e, em particular, com o agronegócio.

As projeções de todos os institutos internacionais e particularmente o recém-lançado ''Mapping the Global Future'', do National Intelligence Council dos EUA, mostram a partir de 2020, a emergência dos chamados ''BRICs'' - Brasil, Rússia, Índia e China - como potências dominantes, juntamente com os EUA, do ponto de vista econômico. Os BRICS ultrapassarão os países que hoje figuram acima deles no ranking das dez maiores economias do mundo até 2020, com exceção dos EUA.

As vantagens do Brasil, todavia, são imensas. Podem permitir que saltemos para tornarmo-nos a 4ª ou 5ª potência econômica mundial, mesmo em termos de PIB medido em termos absolutos e contabilizado em moeda estrangeira. Temos, em abundância, o fator que se tornará o mais escasso - e portanto a mais disputada commodity do século 21 - a Água. Cerca de 20% dos recursos hídricos do planeta encontram-se em nosso país. As terras agricultáveis ainda não tocadas, as temos em quantidade superior a qualquer nação.

Encontrado o indispensável equilíbrio político-econômico-financeiro, pela condução madura de gestão econômica, disciplinado pela lei de responsabilidade fiscal e com o crescimento econômico, o Brasil se aproximará da meta que JK havia traçado para desenvolvermo-nos em 50 anos. Como ele nos fez avançar 50 anos em 5, cabe-nos aproveitar de seu impulso e exemplo. Com renovada velocidade, cumpre fazer em mais 20 anos um trabalho coordenado - sociedade civil e governo - completando as reformas iniciadas pelo governo Fernando Henrique, e perseverando nas políticas produtivas do presidente Lula. Daí, Juscelino Kubitschek terá tido razão - o desenvolvimento é a bandeira da paz.

A corrida é contra o relógio. O século 21 já começou - e nosso país tem tudo para que ele seja brasileiro. Tudo, menos o tempo.