Título: É preciso retomar outras esferas de diálogo
Autor: Gonçalves, José Botafogo; Sauerbronn, Christiane
Fonte: Jornal do Brasil, 03/08/2008, Economia, p. E3

A Rodada Doha aparentemente fracassou e isso é ruim para todos, e em especial para a Organização Mundial do Comércio (OMC) que acaba saindo enfraquecida e co mais dificuldade de fazer valer suas decisões. O Brasil acredita na importância do multilateralismo e apostou muito nas negociações dentro desse fórum. Poucos acreditavam em um novo fracasso apesar do cenário mundial ser de crise. Os Estados Unidos vivem uma crise econômica e financeira sem precedentes, a Europa está mais preocupada com administrar sua expansão horizontal, o livre-comércio deixou de ser assunto popular nos principais parlamentos do mundo desenvolvido. O simples não rompimento do diálogo na OMC já seria um sucesso, mas os ganhos efetivos em concessões seriam bastante modestos. Lamentavelmente, as negociações multilaterais estão temporariamente congeladas. No que se refere a controvérsias comerciais, a OMC sai enfraquecida. O Brasil, por exemplo, ganhou no caso do algodão, mas os Estados Unidos se recusam a implementar a decisão e retirar os subsídios. Caso o desfecho de Doha fosse outro e se se tivesse chegado a um acordo, a disciplina da OMC e seu papel fiscalizador ganhariam mais legitimidade e eficácia. Para o Brasil, o desfecho negativo dessas negociações dificulta a obtenção de uma solução pacífica para os impasses em torno do algodão com os Estados Unidos. Do ponto de vista do interesse do negociador brasileiro, seria melhor um acordo modesto do que nenhum acordo. Também preocupa a presente concessão dos subsídios pelos Estados Unidos ao etanol do milho. Sem um acordo multilateral, caberá ao Brasil experimentar a via de negociações regionais e bilaterais ao mesmo tempo que continuará submetendo os seus pleitos aos tribunais de arbitragem da OMC. A falta de um acordo em Doha pode levar ainda a uma exacerbação do protecionismo comercial, fruto de atitudes menos racionais motivadas por temas de política interna que eventualmente conduzam a uma guerra comercial. Esperemos que a Rodada Doha seja retomada daqui a três anos pelo menos, embora o desgaste causado pelo presente impasse deixe marcas negativas sobre a modalidade multilateral de negociações comerciais. Como já foi mencionado anteriormente, o Brasil deverá tomar um caminho de negociar novos acordos bilaterais ou regionais enquanto aguarda a retomada das negociações multilaterais. Esta é uma alternativa esperada. Dentro das novas modalidades de negociação, será preciso dar mais atenção aos custos políticos internos envolvidos nas mesmas. No caso do Brasil, em vez de negociar isoladamente é mais interessante continuar negociando debaixo do guarda-chuva do Mercosul que tem dimensões políticas, comerciais e econômicas superiores à soma aritmética dos quatro países componentes do bloco. Isto é sobretudo verdade, no caso das negociações agrícolas, pois os quatro sócios do Mercosul não são competidores mais sim aliados no mundo do agronegócio. Negociações de acesso ao mercado agrícola de China e Índia serão mais consistentes se o Mercosul mostrar-se unido, em vez de aceitarmos ruptura entre Brasil e Argentina, como ocorreu em Genebra. No âmbito do Mercosul, Brasil e A insatisfação argentina com relação às tarifas industriais deriva claramente de um problema de política interna, uma vez que a atual presidente entrou em conflito com os produtores agrícolas de seu país ­ único setor competitivo da economia ­ e agora não quer se indispor com o setor industrial. A verdade é que a indústria argentina, que está funcionando a pleno vapor, tem grandes possibilidades de expandir suas exportações para o Brasil. E pouco sofreria com uma redução adicional da Tarifa Externa Comum (TEC), tal qual havia sido previsto na Rodada Doha. Se a presidente Cristina Kirchner quiser aumentar a competitividade, terá mais chance de lograr este objetivo reduzindo tarifas do que subindo protecionismo. Para ser bem sucedido em negociações comerciais, é preciso reivindicar, mas também ceder. E os países precisam estar dispostos a ganhar menos em algumas questões para obterem benefícios conjuntos. Quais são as possibilidades agora? A esperança ainda reside nas negociações regionais, no fortalecimento do Mercosul e superação das divergências internas, para permitir a negociação em bloco com outras regiões. A exemplo do inconcluso acordo de livre comércio entre o Mercosul e a União Européia. O fracasso é lamentável, mas reflete a necessidade de se avançar em outras esferas de negociação para se chegar a um acordo multilateral, quando impasses domésticos e regionais tenham sido superados.