Título: Último samba em Chantilly
Autor: José Sarney
Fonte: Jornal do Brasil, 25/02/2005, Outras Opiniões, p. A11

Quando Daniela Cicarelli entrou, sem espelho mágico, e viu a Caroline Bittencourt, tomou-se de possessão: ¿Fora a bruxa.¿ A coitadinha saiu

A Europa está em lua-de-mel. O presidente Bush, com ares de noiva, visita seus parceiros europeus pedindo desculpas pelo desencontro da Guerra do Iraque e oferecendo sua mão generosa em casamento para que, juntos, iniciem nova vida. Chirac já aceitou, Schröder também, Berlusconi nem se fala, é velha companheira de amores, Blair é indissolúvel concubinato.

Neste clima de amores e casamentos, a Europa aproveita o clima de um inverno muito frio, neve para todo lado e um aquecimento com petróleo a 52 dólares por barril, tudo que é bom para recolhimento a dois.

Abriu a temporada o nosso Ronaldinho, ídolo dos gramados do primeiro mundo, cujo talento não coube entre os campos mal arrumados e gramados deste Brasil que se tornou célebre e visível no mundo inteiro pela habilidade dos seus atletas futebolísticos, desde Leônidas, o Diamante Negro, até Pelé, o Rei insubstituível, e Ronaldo, Ronaldinho Gaúcho, Cacá, Robinho e Felipão.

O futebol entrou nas razões de Estado. Nunca participei de uma reunião internacional ou mesmo nacional em que não se falasse de futebol entre inflação, superávit primário e sistema financeiro globalizado. Sempre, no meio da conversa, vem a pergunta: ''E Pelé, onde está? E Ronaldo vai ficar bom do joelho?'' Outro dia mesmo, com Lula e Zapatero, o segundo perguntou ao primeiro: ''Qual o seu time na Espanha?'' ''Barcelona'', disse Lula. Com um beiço de muxoxo respondeu Zapatero: ''Mala suerte. Yo, Real Madrid''. Aí foi declaração de times por todo mundo. Eu, para não ficar humilhado, disse: ''O Bode Gregório'', isto é, o Maranhão Esporte Clube, de São Luís, time que não bate em ninguém e por isso mesmo não provoca controvérsia.

Mas o grande fato foi a confusão no Castelo de Chantilly, num casamento meio-cristão, de Ronaldinho e Daniella Cicarelli. O casal quis escolher um lugar romântico, com fila do gargarejo selecionada, para celebrar uma união feita de bola e amor.

O ciúme surgiu como um diabo e montou um qüiproquó (o tal barraco) que afinal transformou-se na festa da festa. Chantilly é uma área nos arredores de Paris, patrimônio do Instituto de França, criado pela Revolução para reunir as academias francesas. Eu já fui convidado a um casamento ali. Não era da Cicarelli, mas da moça mais linda de todas, a Saveria, filha da embaixatriz Marie-Laure Barbosa. Não fui, mas ao que me consta, nesse, o diabo não entrou.

A bruxa da história de Branca de Neve ficava no espelho perguntando ''quem neste mundo é mais bela do que eu?'' Ele respondia ''lá no sertão, no meio dos anões, Branca de Neve''. Ela endoidecia.

Quando a Cicarelli entrou, sem espelho mágico, e viu a Caroline Bittencourt, tomou-se de possessão: ''Fora a bruxa.'' A coitadinha saiu. Vai posar na Playboy e ficou célebre pela humilhação. A foto do Ronaldinho com a Cicarelli saindo para a lua-de-mel pareceu de mel sem lua.

Sobrou para o Pe. Borges, que abençoou o casal, lendo a Epístola de São Paulo sobre o amor, e foi acusado de violar o direito canônico. Nada de novidade. No Maranhão o cônego Arthur já fazia a ''benção das alianças com efeito casamentório''. Mas sempre dava em barraco.

É que o diabo zela pelos cânones e por moças bonitas.