Título: Cade quer competição entre bancos
Autor: Isabel Sobral
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Economia, p. B1

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) está convencido de que os bancos do País pouco competem entre si e quer acabar com esse privilégio. "É nossa função institucional promover a concorrência em todos os setores da economia e não há porquê um determinado segmento ficar imune", defende o conselheiro Ricardo Cueva. Para ele, a principal contribuição do Cade será o julgamento de condutas. Ele cita a cobrança de tarifas bancárias. Apesar de os bancos serem livres para fixá-las por qualquer tipo de serviço, o Cade poderia julgar eventuais denúncias de acertos de valores entre as instituições - ou seja, cartel.

Na semana passada, vários bancos divulgaram balanços com lucros na casa dos bilhões - inclusive o Banco do Brasil, que registrou o melhor resultado de sua história, R$ 3 bilhões. Apenas a receita dos quatro maiores bancos do País (Itaú, Bradesco, Banco do Brasil e Unibanco) somou R$ 21,8 bilhões em 2004.

Ocorre que essa não é uma atribuição do Cade, conforme a interpretação que se dá à legislação, não muito clara a respeito. Hoje, prevalece o entendimento que a atribuição é do Banco Central (BC), por ser ele o órgão regulador do sistema financeiro. Há, porém, disposição dos dois órgãos em trabalhar juntos.

Desde o fim do ano passado, integrantes do Cade e do BC têm feito reuniões técnicas para trabalhar na adaptação da lei de defesa da concorrência às especificidades do setor bancário. Em outubro passado, o presidente do BC, Henrique Meirelles, visitou a presidente do Cade, Elizabeth Farina, para tratar do assunto.

Para que os dois órgãos possam adotar medidas contra os bancos, porém, é preciso que seja aprovada uma lei estabelecendo claramente qual a atribuição de cada um. Pela proposta que tramita na Câmara, o sistema de defesa da concorrência passaria a analisar fusões bancárias e conduta, mas numa operação que pudesse causar algum tipo de risco sistêmico para setor, a palavra final seria exclusiva do BC e analisada em sigilo.

O projeto tramita na Câmara dos Deputados há quase três anos. Somente em dezembro do ano passado foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). O relator do texto na CCJ, deputado Sigmaringa Seixas (PT-DF), admitiu que as negociações em torno do assunto estão paradas, mas justifica que elas foram prejudicadas pelo recesso parlamentar de fim de ano e a disputa pela presidência da Câmara.

"Acreditamos na aprovação desse projeto ainda este ano porque é prioridade na agenda das microrreformas que levarão ao fortalecimento da economia", diz o secretário de Direito Econômico (SDE), Daniel Goldberg, um dos interlocutores do governo com os parlamentares.

Ele pondera que a demora ocorre pelo acúmulo de temas importantes no Congresso e não pela falta de vontade. "Existe uma disposição real do governo em tocar esse projeto, sim".

A demora na tramitação da lei, avalia o consultor Gesner Oliveira, da Tendências Consultoria Integrada e presidente do Cade no governo Fernando Henrique Cardoso, é conseqüência da pouca importância que ainda se dá à defesa da concorrência no País, associada a uma histórica disputa entre BC e Cade.

"Sempre houve uma disputa burocrática sobre quem deve ter o poder de fazer o que", destaca. Mas, de acordo com ele, a maioria dos países tem hoje uma gestão compartilhada nessa fiscalização.

Gesner acha a que a participação do Cade e da SDE na fiscalização da conduta dos bancos é importante para incentivar a competição do setor bancário. "Não diria que essa é a única condição porque esse mercado é complexo por definição, mas em segmentos regulados é comum a preferência das empresas por um órgão regulador setorial, evitando a defesa geral da concorrência", opina.

Ele destaca que há uma efetiva competição bancária no segmento corporativo de grandes empresas, mas, para pessoas físicas e pequenas empresas, a disputa entre os bancos é quase nula. Dentro do BC, o tema ainda é quase um tabu e é avaliado não só pelo lado técnico, mas também político.

Para os integrantes atuais do sistema de defesa da concorrência, o clima atual é "bastante propício" para a solução dessas disputas. "Há um interesse político em dar celeridade ao tema", garante o conselheiro Cueva. Para demonstrar esse interesse, representantes do Cade e do BC participarão, no início de abril, de um debate sobre o papel da defesa da concorrência na área bancária.

Patrocinado pela Associação de Bancos Estaduais (Asbace), o workshop contará também com a presença de especialistas estrangeiros e nacionais.