Título: Kirchner anunciará fim do calote amanhã
Autor: Ariel Palácios
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Economia, p. B3
Mesmo cenário, anúncios diferentes. No exato plenário da Câmara de Deputados, onde no dia 23 de dezembro de 2001 o sorridente presidente provisório Adolfo Rodríguez Saá proclamou o calote da dívida pública com os credores privados, o atual presidente, Néstor Kirchner, pretende anunciar o fim do default argentino. Com tom triunfalista, em uma cerimônia carregada de simbolismos, Kirchner discursará amanhã, na inauguração da abertura do 123.º período de sessões do Congresso Nacional. Na sexta-feira, Kirchner - já em ritmo de celebração - definiu a troca da dívida como "a melhor já feita no mundo". O processo de troca de títulos velhos (em estado de calote), pelos novos (reestruturados) concluiu-se na sexta-feira. Dados preliminares na cidade financeira portenha indicam que a adesão dos credores teria sido de 75% a 80%. No mercado local, a adesão dos credores argentinos teria alcançado 97,75%. Desta forma, a dívida com os credores privados seria reduzida de US$ 81,8 bilhões para uma faixa entre US$ 38,5 bilhões e US$ 41 bilhões. O resultado final sobre o nível de adesão seria anunciado na quinta-feira, segundo disse o Ministro da Economia, Roberto Lavagna.
A vida pós-default não será um mar de rosas. O governo precisará retomar nos próximos dias as negociações com o Fundo Monetário Internacional (FMI), congeladas desde meados de 2004. Os analistas na capital argentina consideram que o FMI exigirá que o governo inclua - de algum modo - os eventuais 20% a 25% de credores que ficariam de fora do processo de reestruturação da dívida.
Além disso, no segundo semestre, o governo enfrentará o pagamento de US$ 7 bilhões aos organismos financeiros internacionais (nos quais nunca deu o calote). A agenda fica mais carregada ainda com as eleições parlamentares de outubro, que definirão o mapa do poder na Argentina para a segunda metade do governo Kirchner. A administração Kirchner também terá que discutir, com as empresas privatizadas de serviços públicos, a liberação das tarifas (congeladas desde dezembro de 2001) e a renegociação das concessões. De quebra, precisará controlar a inflação, e pagar US$ 13 bilhões em vencimentos de capital e juros em 2005. As dívidas do Estado argentino a pagar em 2006 serão de US$ 12,5 bilhões.
A médio e longo prazo, o cenário argentino será complicado, já que a dívida, que antes do calote equivalia a 130% do PIB, será reduzida para 85%, uma proporção significativamente maior do que os níveis de 2001, quando, já envolvida em um alto endividamento, a dívida equivalia a 57%.