Título: Mercado é firme para produção artesanal
Autor: Fernando Scheller
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Economia, p. B7

Um administrador de empresas, um ex-produtor de café e o proprietário de uma centenária fazenda de café. São três exemplos de brasileiros que trocaram as antigas atividades pela produção ecologicamente correta e, por causa disso, participaram da Biofach, a maior feira de produtos orgânicos, que foi encerrada ontem, em Nuremberg, na Alemanha. Em comum, eles têm a busca pelo mercado internacional e um aumento de até 100% na renda em comparação com a atividade que exerciam anteriormente. O segredo para o sucesso: dedicação diária à lavoura e toque artesanal na produção.

Produtor rural desde que nasceu, o gaúcho Iran Trentin faz parte de uma cooperativa de 21 agroindústrias de produtos orgânicos no Rio Grande do Sul. Desde 1965, ele e a família plantavam culturas tradicionais, como soja e milho, numa propriedade de 80 hectares em Criciumal (RS). Vendo a terra enfraquecer com o uso constante de adubos e pesticidas - e, com isso, a produtividade e a renda caírem -, Trentin resolveu experimentar o cultivo de orgânicos em 1995, com alguns tipos de ervas para chá.

Viu que a opção era rentável e, aos poucos, eliminou totalmente o uso de técnicas convencionais - daí em diante, viu a renda da propriedade aumentar em pelo menos 100%. "Esse é o crescimento mínimo", comemora Trentin, que hoje produz chás, óleos essenciais, açúcar mascavo, melado e cachaça sem usar aditivos químicos.

Presente pela terceira vez na Biofach - havia comparecido em 2003 e 2004 -, o agricultor gaúcho diz que a produção ecologicamente correta exige um contato quase diário com a terra. Por isso, segundo ele, é a melhor opção para a agricultura familiar. "Soja e milho só são rentáveis para os grandes produtores, que são altamente mecanizados", afirma.

Além disso, Trentin lembra que a produção de commodities, especialmente no Rio Grande do Sul, onde a produção com sementes geneticamente modificadas domina, não exige maior envolvimento entre fazendeiro e lavoura. "Com o transgênico, o grande proprietário trabalha três dias na hora na lavoura: quando planta, quando passa o secante e quando colhe", afirma.

Ao trocar a cidade grande pela vida tranqüila do sítio, após a aposentadoria da mulher, Marcos José Machado, proprietário da Aguardente Tiquara, outra das cem empresas que representaram o Brasil na Biofach, não imaginava que poderia vir a ser um fornecedor de produtos de alto valor agregado para o mercado externo. A cachaça produzida por Machado e a mulher é 100% orgânica e destinada "a paladares especiais", acrescenta.

Cada garrafa de 750 mililitros custa R$ 25. O empresário fatura mais de R$ 100 mil por ano, bem mais do que quando trabalhava das 8 às 18 horas, de segunda a sexta-feira. "Ter negócio próprio, sem patrão, é muito melhor", ressalta. O empresário revela que, nos últimos anos, o pequeno negócio tem crescido 40% ao ano, sendo que ele tem condições de quadruplicar a atual produção, de 12 mil litros por ano.

O fabricante da Tiquara, que funciona na pequena Arealva (na região de Mococa, interior de São Paulo), diz que descobriu "por acaso" o potencial de mercado de seu produto. Antes de a cachaça virar sustento, era apreciada somente por amigos, freqüentemente presenteados com a produção da destilaria da propriedade. "Eu só fui me dar conta que nosso produto era orgânico e tinha esse espaço para conquistar depois de alguns anos produzindo", conta ele.

Ao contrário do gaúcho Trentin, que ainda está na fase de fazer contatos, o agricultor paulista já deu os primeiros passos rumo ao mercado internacional. Apesar de a maior parte da produção ainda ficar no Brasil, Machado conta que a marca Tiquara pode ser encontrada em Portugal e na Alemanha.

A queda dos preços do café no mercado internacional e o enfraquecimento do solo provocado pelos anos de lavoura levou Alberto Dias Barretto, proprietário da Fazenda Sertãozinho, também de Mococa, a trocar a cultura convencional pela orgânica. A fazenda, que existe desde 1895, eliminou os pesticidas em 1999 e ganhou cerca de 20% em faturamento.

"Sempre trabalhei com variedades especiais de café, por isso já tinha preço diferenciado. Mas a produção orgânica agregou mais valor", ressalta, apesar de a produtividade da fazenda ter caído, uma vez que a terra da propriedade estava "acostumada" com adubos químicos, que foram totalmente eliminados dos 340 hectares.

Para obter o que classifica de padrão internacional de qualidade, o agricultor paulista conta que são necessários cuidados especiais. A secagem é feita em terrenos específicos, conforme a variedade do café, e a colheita, feita manualmente, garante um produto sem impurezas.