Título: 'China' da cerâmica em São Paulo
Autor: Agnaldo Brito
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Economia, p. B10

Dá até medo. O paredão colorido de 50 metros de altura assombra quem se aproxima. Dependuradas, as pedras enormes aguardam um leve escorregão para esfarelar-se no fundo da jazida. Estão ali há bilhões de anos e agora servem à indústria cerâmica. Lá embaixo, a pá carregadeira não descansa um segundo. Tem sido assim nos últimos tempos. E, pelos prognósticos, deve piorar. A região de Santa Gertrudes, no interior paulista, não tem poupado esse tesouro natural - na verdade, descoberto mesmo em meados dos anos 80, e explorado com vigor a partir da metade dos anos 90. A argila converterá a região neste ano no pólo que, sozinho, será responsável por 52% de todo o revestimento cerâmico produzido no Brasil. Até 2004, foi 43%. A condição dará ao Pólo Cerâmico de Santa Gertrudes - desde o ano passado elevado à condição de "cluster" paulista do setor - a fama inconteste de "a China brasileira" no ramo ceramista.

Na verdade, uma fama pouco elogiosa. Nela estão duas críticas: a de fabricar produto barato e de baixa qualidade. Barato, sim, mas a baixa qualidade começa a se tornar mais picuinha comercial de um mercado que sempre considerou a cerâmica branca como primeira linha e a vermelha, mero refugo. E de argila vermelha, lá existe muito. Em verdade, ninguém sabe quanto. São hectares de reserva logo à flor da superfície.

A produção do pólo invadiu o mercado brasileiro de revestimento cerâmico e obrigou outro pólo - o de Santa Catarina - a buscar em mercados mais nobres e na exportação espaço para colocar a produção. Não chega a ser uma política predatória, a do pólo de Santa Gertrudes. O segredo está no piçarral, na argila.

Além de uma formação geológica favorável (já que a argila está a poucos metros de profundidade), a composição da matéria-prima foi "brinde divino". Diferentemente de outras regiões de cerâmica do Brasil e do mundo, o beneficiamento da argila para produção de revestimento é baratíssimo. Tem um custo médio de R$ 35 por tonelada, colocada na fábrica e pronta para a industrialização. Ao contrário de outros tipos de argila, que demandam misturas, a de Santa Gertrudes vem pronta. É moer, equilibrar a umidade a 9% e prensar. Só.

Santa Gertrudes tem se beneficiado da facilidade do processo industrial conhecido como via seca. É este que tem assegurado ao pólo crescimento de dois dígitos, enquanto o segmento no Brasil permanece estagnado. Tudo porque elimina uma etapa do processo, a de preparação do pó de argila para prensagem. No processo de via úmida, a argila passa por uma preparação preliminar antes da produção das placas cerâmicas. A argila e os aditivos são misturados com adição de água, o que exige a secagem. Este custo adicional cria a diferença de preços que dá ao pólo de Santa Gertrudes a dianteira nesta competição.

O peso do custo de energia salta de 25% (na via seca) para até 40% (na via úmida). Não é à toa a briga do setor cerâmico em relação aos custos do gás natural. "O preço médio de uma cerâmica no pólo de Santa Gertrudes é de R$ 6,50 o m2. O custo pode ser elevado em 30% com a produção no processo industrial de via úmida", diz Vinícios Buschinelli, vice-presidente da Associação Paulista das Cerâmicas de Revestimento (Aspacer) e proprietário de uma indústria cerâmica que leva o nome da família.

EXPORTAÇÕES

Vencida a guerra do mercado interno, o próximo passo será conquistar uma fatia do mercado internacional. Com preço, alguns fabricantes se preocupam agora em enquadrar a produção num novo perfil de cerâmica para conquistar um público mais exigente. Em termos percentuais, o objetivo para o ano é fechar com a venda de 36 milhões de m2, crescimento de 29% sobre o ano passado. A previsão brasileira é vender 144 milhões de m2 no exterior em 2005, incremento de 14% sobre a base de 2004.

Na verdade, o Pólo de Santa Gertrudes aguarda condições melhores para exportar. Em 2004, quando a região embarcou 28 milhões de m2 de revestimento cerâmico, a expectativa era bem maior. A falta de contratos de longo prazo dificultou a contratação de fretes para exportação. A falta de navio e contêineres - além da apreciação do real frente ao dólar - fizeram muitos produtos recuarem da exportação. Aliás este, segundo Vinícius Buschinelli, é um problema sério.