Título: Febem: contratações sob suspeita
Autor: Barbara Souza
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Metrópole, p. C1

De cada sete funcionários da Febem, um não passou por concurso público. São pessoas que entraram na instituição graças ao uso indiscriminado da contratação para cargo de confiança, mecanismo que deve ser adotado em casos bem específicos, de acordo com a Constituição. A proporção - dos 9.284 trabalhadores pelo menos 1.324, ou 14%, não fizeram concurso - chamou a atenção da Procuradoria Regional do Trabalho de São Paulo. A situação piorou com a recontratação, na semana passada, de servidores dispensados. A lei não fixa um porcentual para essas contratações, mas estabelece que cargos de confiança são exclusivamente para direção, chefia e assessoramento. A procuradoria estranhou os números da Febem, porque na fundação a maior parte dos cargos não tem essas características. O trabalho é essencialmente de contato com os adolescentes.

"Há indícios de desvirtuamento da função de confiança. O número é elevadíssimo", diz a procuradora Viviann Rodriguez Mattos. A situação deve piorar com as recontratações. O governo chamou de volta 350 servidores que saíram no dia 17. A fundação divulgou que foram extintos 1.751 cargos, mas enviou relatório às procuradoras falando em 2.125. "Quem garante que os monitores reconvocados para cargo de confiança não vão continuar atuando como monitores?", questiona Viviann. A Febem preferiu não se manifestar sobre o assunto.

O número de funcionários recontratados em cargos de confiança, bem como o que faz cada empregado sem concurso, só vai ser conhecido quando a Febem entregar relatório sobre o caso ao Ministério Público do Trabalho. A fundação tem prazo até o dia 20 para se justificar.

"Pela Constituição, cargo de confiança é exceção, não regra", diz o advogado João José Sady, coordenador da Comissão de Direitos Humanos do Sindicato dos Advogados. Mesmo nos casos de direção, acredita, não se deve contratar para cargos de confiança. "O funcionário tem de subir gradativamente, acumulando conhecimento, experiência prática."

Sady, que foi presidente da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), concluiu um estudo dessa situação em 2003. "Descobri um caso de um monitor que estava ocupando um cargo de confiança, chamado por um chefe que também trabalhava nesses moldes."

PREJUÍZO

Para Viviann, além das perdas para os cofres públicos - porque o funcionário em cargo de confiança ganha mais -, o excesso de postos desse tipo é a depreciação de um instrumento importante para melhorar a Febem: o concurso público. "Prevenção é a medida número 1 para sair do ciclo vicioso e a prevenção envolve concurso para contratar gente qualificada, dar treinamento aos funcionários e atividade para os internos."

Segundo a procuradora, se verificado o desvirtuamento, a contratação é irregular. "Portanto, nula. Nesse caso, essas pessoas terão de ser desligadas."

Problema que vem sendo combatido há muitos anos por entidades de defesa dos direitos criança e do adolescente, o excesso de cargos de confiança pode configurar, em alguns casos, cabide de empregos. A rotatividade dessas funções é grande, principalmente em época de troca de governo, diz o coordenador estadual do Movimento Nacional de Defesa dos Direitos Humanos, Ariel de Castro Alves. "Percebemos que a Febem caminha de acordo com interesses políticos, não pedagógicos", diz, referindo-se ao trabalho de pessoas que não têm experiência com recuperação de infratores. "Há pessoas que não têm nada a ver com o assunto e trabalham mais como cabos eleitorais. Agora há uma disposição de mudar a Febem. Espero que o assunto seja discutido."

MÃES

Visitas de entidades e a participação de mães, igrejas e ONGs também preocupam a procuradoria. A promotora quer saber qual o papel elas estão desempenhando na Febem. "Uma coisa é a mãe estar lá para dar um aconselhamento, outra é ela trabalhar na Febem", diz Viviann. Desempenhar funções dos educadores sociais - como levar o interno ao banheiro - ou cumprir um horário todos os dias pode descaracterizar a função voluntária. "Pode ser substituição de mão-de-obra e de forma barata, até."