Título: Jovens tiradas de casa pelo pai reencontram a mãe no Rio
Autor: Ricardo Rodrigues
Fonte: O Estado de São Paulo, 28/02/2005, Metrópole, p. C8

Ela se chama Maria, é nordestina e sabe como é a dor de ter uma filha seqüestrada. Apesar das semelhanças com a personagem de Senhora do Destino, a história da empregada doméstica baiana Maria José de Oliveira, de 37 anos, é real e três vezes pior do que a da ficção. Há 14 anos, ela viu os filhos, um menino e duas meninas, pela última vez, levados à revelia pelo pai. Iniciou uma busca incansável, que, ontem acabou em final feliz, com o reencontro na Rodoviária Novo Rio. Os três filhos de Maria José foram identificados no início do mês, por meio de um anúncio do Programa SOS Crianças Desaparecidas, sete anos após a doméstica ter cadastrado o caso no serviço - desenvolvido pela Fundação Para a Infância e Adolescência e vinculado ao Estado. Para Maria José e, principalmente, os filhos, que acreditavam que a mãe havia morrido - o pai dizia que ela tinha sido vítima de bala perdida -, foi difícil segurar a emoção.

"Nunca perdi a esperança de reencontrá-las", disse Maria José, chorando, abraçada às filhas Agilene Oliveira dos Santos, de 19 anos, e Maiane Oliveira dos Santos, de 15 anos, que moram em Ipameri, Goiás. O filho mais velho, Agnaldo, de 21 anos, operador de usina, ficou de fora da reunião familiar. Transferido para o Paraná dias antes de receber a boa notícia, ele sofreu um acidente e só tem condições de viajar para o Rio de avião, mas a família não tem como pagar a passagem.

"Estou muito feliz", contou Agilene, que tinha 5 anos ao ser levada pelo pai, em 15 de junho de 1991. A foto dela foi reconhecida por uma vizinha, num anúncio do SOS publicado numa revista. Feito o primeiro contato, a confirmação veio com um fax da certidão de nascimento dos filhos. "Toda vez que perguntava da minha mãe, ele se fechava", disse, afirmando que o pai relutou em autorizar a viagem para o Rio. Foi preciso intervenção da Justiça.

O pesadelo de Maria José começou quando ela morava em Firmino Alves, interior da Bahia, com o marido, com quem viveu por dez anos. "Ele me batia demais. Um dia tomei coragem, peguei minhas trouxas e fui embora para a casa de meu pai, levando as crianças." Logo depois, Guilhermino foi até lá e levou os três à força. "A Maiane estava no meu peito. Ele arrancou a menina e outros, botou todos no lombo do cavalo e sumiu", disse, afirmando que já perdoou o marido. "Não tenho mágoa, isso machuca muito o coração da gente. Ele criou minhas filhas. Graças a Deus, estão vivas. Agora, é tocar a vida".

Em mais uma semelhança com a personagem da novela, Maria José vai ganhar um neto. Maiane, de 15 anos, está grávida de 2 meses. "É emoção demais para um dia só", disse a futura avó.

Com o reencontro, a família de Maria José, que mora em Vargem Pequena, zona oeste do Rio, duplicou. Há oito anos, ela vive com o atual marido, o serralheiro Raimundo Santos de Jesus, de 40, e três enteados. "Agora, são seis filhos", disse a doméstica, torcendo para que todos fiquem no Rio. As filhas são mais cautelosas. Disseram apenas que vão conversar antes de decidir qualquer coisa.

Além da família, acompanharam o reencontro a atual patroa de Maria José, que não quis ser identificada, e a ex, a médica Lívia Calazans, que estimulou a doméstica a procurar o SOS. "Em um primeiro momento, pensei que ela havia deixado os filhos para trás. Mas quando soube direitinho da história, vi que se tratava de um caso de seqüestro", explica. Lívia mandou até carta para o Planalto, solicitando ajuda. "Eles responderam logo e acompanharam tudo."

O assessor do governo do Estado Ricardo Bittar disse que será feita uma mobilização para obter a passagem aérea e permitir a Agnaldo encontrar a mãe. O gerente do SOS, Luiz Henrique Oliveira, informou que, desde a criação do serviço, há oito anos, foram identificadas 1.882 crianças desaparecidas. "Ainda precisamos resolver o problema de 132."