Título: Combate à pirataria
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Editorial, p. A3

Desde a abertura da economia, no início da década de 90, quando na esteira das importações legais se avolumaram as importações irregulares, o governo federal negligenciou o combate à pirataria. Cercou-se de instrumentos legais eficazes para punir quem lesa empresas e cofres públicos, mas nunca conseguiu fazer cumprir efetivamente as normas de repressão à falsificação e ao contrabando. As conseqüências da inércia do governo ultrapassaram as fronteiras do País, transformando-se a questão num grave contencioso com outros países.

Hoje, o Brasil integra a Special 301, a lista negra do Departamento de Comércio dos Estados Unidos, onde figuram os países que pouco fazem para combater a pirataria e que, por isso, estão sujeitos a retaliações comerciais. Novamente, este ano, o governo americano adverte que o País está cada vez mais perto de ser excluído do Sistema Geral de Preferências (SGP), mecanismo que reduz as alíquotas de produtos importados de países em desenvolvimento. Dos produtos brasileiros exportados para os Estados Unidos, 13% fazem parte do sistema e respondem por receitas de US$ 2,5 bilhões.

A gravidade da situação não parece abalar o governo federal que, nos últimos anos, tem desrespeitado os prazos estabelecidos pelos Estados Unidos e outros países desenvolvidos para que sejam adotadas medidas efetivas de combate à pirataria - ou seja, para que as autoridades policiais, fazendárias e judiciais implementem a legislação de proteção aos direitos de propriedade intelectual que é, reconhecidamente, uma das mais perfeitas do mundo.

Há dias, a International Intellectual Property Alliance (IIPA), uma das principais organizações de propriedade intelectual do mundo, enviou relatório ao Departamento de Comércio, recomendando que o governo americano imponha sanções ao Brasil. Conforme o relatório, o País ignorou a série de propostas contidas no relatório da CPI da Pirataria, e apresenta resultados insignificantes no controle das atividades dos falsificadores.

No ano passado, já havia sido dado um ultimato ao governo brasileiro, que deveria, em setembro, apresentar programas concretos de combate à pirataria. A única atitude do governo federal, porém, foi publicar, às vésperas do vencimento do prazo, decreto criando o Conselho Nacional de Combate à Pirataria e Delitos contra a Propriedade Intelectual. O grupo teria como atribuição principal a elaboração do Plano Nacional de Combate à Pirataria, mas sua primeira reunião só ocorreu em janeiro deste ano. Washington preferiu fazer vistas grossas ao descumprimento de prazo e concedeu mais 180 dias, que expiram em 31 de março, para que o governo federal apresentasse um plano eficaz de combate à fraude.

O governo brasileiro, no entanto, perde tempo. Em entrevista ao jornal Valor, o secretário-executivo do conselho, Márcio Costa de Menezes e Gonçalves, informou que os integrantes do grupo só se reunirão nos dias 27 e 28 de fevereiro, um mês antes do prazo final. Avisa, porém, de antemão: "É difícil traçar um plano desses em dois dias, mas teremos pelo menos um esboço bem traçado." Esse "esboço", no entanto, existe desde que o Comitê Interministerial de Combate à Pirataria foi criado, em 2001. O que se espera é a repressão efetiva à pirataria que causa, segundo estudo realizado pelo Brazil-U.S. Business Council, evasão anual de impostos no valor de US$ 30 milhões a US$ 60 milhões. Os produtos falsificados provocam perda de US$ 1,6 bilhão em vendas não realizadas e o desaparecimento de 1,5 milhão de vagas de empregos formais. As estimativas de perdas da indústria com pirataria no Brasil atingiram US$ 931,9 milhões, em 2004.

O combate à pirataria não é, portanto, algo que interesse apenas aos Estados Unidos e aos países industrializados produtores de tecnologia. Corresponde ao mais legítimo interesse nacional, daí não se compreender a lassidão do governo brasileiro na repressão da indústria da falsificação que, por ser um dos mais rentáveis ramos do crime organizado, deveria ser enérgica e sistemática.