Título: Pistoleiros apontam consórcio do crime
Autor: Leonêncio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Nacional, p. A5
Numa clareira rodeada por castanheiras e jatobás gigantes, o pistoleiro Rayfran Sales, o Fogoió, mostrou ontem, com aparente tranqüilidade, como deu os seis tiros que mataram a freira Dorothy Stang, no último dia 12. Na reconstituição do crime, feita em Anapu, a versão por ele apresentada foi confirmada por Clodoaldo Batista, o Eduardo, pistoleiro que estava com Rayfran na hora da execução, e por um colono de nome Cícero, testemunha do caso, que acompanhava a missionária. "Está muito claro que o crime foi bárbaro, Dorothy não teve como se defender", concluiu o engenheiro perito criminal Joaquim Araújo, do Centro de Perícia Científica Renato Chaves, de Belém. "Ela ainda tentou se proteger dos tiros à queima-roupa com uma bolsa e uma Bíblia", disse ele. Rayfran confirmou que o crime foi encomendado por um grupo de fazendeiros, mas citou apenas o nome de Vitalmiro de Moura, o Bida, que está foragido. "Ele (Bida) só falou para matar (a irmã)", disse Rayfran, ao final da reconstituição. Clodoaldo contou que Rayfran deu o sinal de que iria atirar em Dorothy piscando os olhos. Os dois mostraram aos policiais e peritos como fugiram por uma roça e depois pela mata. Clodoaldo revelou que ele e Rayfran se esconderam até domingo, dia 13, na sede da fazenda de Bida.
"O Bida mandou a gente fugir, mas, se a gente fosse pego não era para contar nada à polícia, pois ele iria contratar um advogado por R$ 100 mil para nos defender." A advogada da Comissão Pastoral da Terra Rosilene Silva, de 37 anos, interpretou a missionária na reconstituição. Os pistoleiros se apresentaram por 20 minutos em separado e depois fizeram uma acareação.
TUMULTO
A reconstituição foi tumultuada. Colonos, advogados, sindicalistas e jornalistas disputaram espaço para acompanhar as apresentações dos criminosos e da testemunha.
O trabalho dos peritos levou mais de duas horas. "Rayfran olhava para mim sem demonstrar nervosismo", contou Rosilene. "Em vez de mostrar arrependimento, ele deixou claro como é frio."
Rayfran, Clodoaldo e Cícero relataram durante a reconstituição que Dorothy ainda leu versículos do Evangelho de Mateus momentos antes de ser assassinada.
Na manhã de sábado, a missionária deixou a palhoça do colono Vicente Paulo Soeira, onde havia pernoitado, e ao lado de Cícero foi para uma reunião com assentados no Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS) 51. Ao chegar à clareira, a cem metros da palhoça, foi abordada por Rayfran e Clodoaldo. Dorothy pôs no chão um mapa com os lotes da área para mostrar aos dois que aquela terra pertencia aos assentados do Incra e não ao fazendeiro Amair Feijoli da Cunha, o Tato, que atuava na grilagem em parceria com Bida. "É, dona, se a senhora não conseguiu resolver o problema do PDS, não é agora que vai resolver", teria dito Rayfran antes de dar os disparos. Cícero conseguiu fugir para o mato. "Felizmente, eles foram amadores e não correram atrás do Cícero", avaliou um perito. Testemunha do crime, Cícero usou um capuz na representação.
A freira foi acertada no abdômen, na clavícula, na cabeça, na mão e nas costas. O assassino usou um revólver calibre 38.
A polícia também está convencida de que o fazendeiro Amair Feijoli da Cunha, o Tato, parceiro de Bida nas operações de grilagem, foi quem se incumbiu de contratar os pistoleiros, aos quais prometeu pagar R$ 50 mil. Em seu depoimento, Tato disse que estava a poucos metros do local do crime mas não ouviu os disparos pois usava uma motosserra naquele momento. Os peritos ligaram uma motosserra e constataram que era impossível ouvir os tiros.