Título: Irã e Coréia do Norte não devem ter a bomba, dizem Bush e Putin
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Internacional, p. A16

Numa reunião de cúpula marcada por fortes diferenças sobre a situação da democracia russa, os presidentes George W. Bush (Estados Unidos) e Vladimir Putin (Rússia) chegaram ontem a consenso num ponto: Irã e Coréia do Norte não devem dispor de armas nucleares. O encontro entre os dois governantes ocorreu na capital da Eslováquia e durou mais de duas horas. Os dois passaram em revista os principais temas mundiais da atualidade e estabeleceram as bases para a futura cooperação na área nuclear e para prevenir que lançadores portáteis de mísseis caiam nas mãos de terroristas.

Ao final das conversações, Bush e Putin resumiram numa entrevista coletiva suas posições sobre algumas das principais questões abordadas:

IRÃ

"Concordamos que o Irã não deva ter armas nucleares", disse Bush, sem dar detalhes. Segundo funcionários do Departamento de Estado, Bush expressou grande preocupação com a questão e Putin compreendeu. Moscou deve assinar com Teerã no sábado um acordo para fornecimento de combustível nuclear que inclui, segundo as autoridades russas, a devolução total do material já usado (passível de ser aproveitado, após reprocessado, em armas nucleares). Putin teria deixado claro que os termos do contrato só seriam efetivados quando o governo iraniano desfizer todas as preocupações da comunidade internacional.

CORÉIA DO NORTE

Bush disse na entrevista que o colega russo compartilha as mesmas preocupações dele em relação à Coréia do Norte, que, como o Irã, não deve ter armas nucleares em seus arsenais. "Estamos de pleno acordo nessa questão e vamos trabalhar juntos para resolvê-la", disse o presidente americano. Sobre o tema, um porta-voz da chancelaria russa, Alexandr Yakovenko, manifestou-se otimista quanto ao retorno dos norte-coreanos à mesa de negociações. "Recebemos com satisfação sinais nessa direção do regime da Coréia do Norte", acrescentou ele.

Embora mantenha uma posição crítica em relação àquele país asiático - do qual deixou de ser aliado durante o governo de Boris Yeltsin (1991-99) -, a Rússia considera contraproducentes as pressões diplomáticas exercidas sobre Pyongyang por Washington desde que Bush assumiu o poder na Casa Branca. Yakovenko disse que uma delegação parlamentar russa vai à Coréia do Norte em abril com o objetivo de relançar as conversações.

ACORDO

Durante a cúpula, a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, e o ministro de Defesa russo, Serguei Ivanov, assinaram um acordo para aprimorar a cooperação entre os dois países na área de controle da proliferação de mísseis e lançadores portáteis, que podem ser disparados do ombro por uma pessoa e derrubar um avião decolando ou aterrissando. O objetivo do acordo é evitar, de todas as maneiras, que essas armas, fabricadas pela Rússia e Estados Unidos, caiam nas mãos de grupos terroristas. Os russos fabricaram milhares de mísseis desse tipo (conhecidos como Strela e Igla) que podem derrubar facilmente grandes aviões comerciais e helicópteros.

Os dois países concordaram em destruir estoques desses mísseis e controlar a venda a outros países. Condoleezza manifestou preocupação com os planos da Rússia de vender mísseis Strela à Síria, mas funcionários do Departamento de Estado classificaram o acordo como passo significativo para o controle da proliferação mundial de armas.

DEMOCRACIA

Bush fez pressão sobre Putin ao declarar-se publicamente preocupado na coletiva com o futuro do processo democrático russo.

"As democracias refletem sempre a cultura e tradições de um país, mas também têm várias coisas em comum: o Estado de direito, a proteção das minorias, uma imprensa livre e uma oposição política viável", disse o presidente americano.

Putin contestou: "Dizer que aqui ou ali há mais ou menos democracia não é correto." E acrescentou: "Estou absolutamente seguro de que democracia não é anarquia, permissividade total, nem uma alternativa para alguém roubar a população." O líder russo destacou, em seguida, que não pretende criar uma democracia particular. "Adotamos os princípios essenciais, mas devem ser adequados às tradições russas", ponderou, para concluir: "Não haverá retorno ao totalitarismo porque o mais importante acontecimento para os russos desde a queda da União Soviética é a liberdade."

Um repórter russo aproveitou a chance para aliviar as pressões sobre Putin ao dar o que julgou ser uma alfinetada em Bush, lembrando que o presidente americano acumula poderes excepcionais mediantes leis especiais aprovadas na esteira dos atentados terroristas de 11 de setembro. "Vivo num país transparente, no qual as decisões do governo são abertas e as pessoas podem me responsabilizar", respondeu o líder americano.

Por fim, Bush prometeu apoiar o ingresso da Rússia na Organização Mundial do Comércio.