Título: Síria recuará tropas para a fronteira
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Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Internacional, p. A18

O governo sírio anunciou ontem que começará a deslocar suas tropas estacionadas no Líbano para o leste, perto da fronteira dos dois países, e está pronto para trabalhar em cooperação com a ONU para o cumprimento de uma resolução que exige a retirada de seus 14 mil soldados. Um alto funcionário da segurança libanesa afirmou, sob anonimato, que a realocação poderá começar amanhã. "A Síria expressa seu firme interesse em cooperar com o enviado do secretário-geral da ONU (Kofi Annan) para cumprir sua missão da melhor forma possível", disse o chanceler sírio, Walid al-Mualem, que fez uma ressalva: "As importantes retiradas realizadas até agora e as do futuro serão feitas em conformidade com o Acordo de Taif e os mecanismos que ele prevê."

Tanto o governo sírio como o libanês (cujos membros são vinculados à Síria) indicaram que as tropas sírias não deixarão o Líbano no momento e deixaram claro que isso só ocorrerá de comum acordo, tendo como parâmetro o Acordo de Taif, que pôs fim à guerra civil libanesa (1975-1990). Esse pacto prevê, numa primeira fase, a remoção do contingente para o Vale do Bekaa, no leste. A retirada total tem de ser definida pelas partes.

Em seu comunicado, a chancelaria síria assinala que uma saída apressada "poderá minar a segurança do Líbano e da Síria". O primeiro-ministro libanês, Omar Karami - um político pró-Síria - , afirmou que uma retirada rápida poderia desestabilizar o país.

Embora a decisão responda à crescente pressão internacional para a retirada dos militares sírios do território libanês, ela está bem aquém da exigência do Conselho de Segurança da ONU. Mas analistas políticos consideram que, mesmo limitada, a remoção é uma tentativa de Damasco de aliviar a pressão internacional e do próprio Líbano.

Partidos oposicionistas e dezenas de milhares de libaneses protestaram esta semana em Beirute contra a presença militar e exigiram também uma investigação internacional sobre o assassinato, no dia 14, do ex-primeiro-ministro Rafic Hariri. A oposição e vários setores da sociedade culpam Damasco pelo atentado que matou Hariri e outras 18 pessoas.

Em trechos de uma entrevista que irá ao ar hoje na TV Al-Arabiya, dos Emirados Árabes Unidos, Annan faz um chamado ao governo sírio para que retire todo o contingente antes de abril e adverte que o Conselho de Segurança poderá tomar medidas contra a Síria. Em abril Annan terá de apresentar um relatório ao CS sobre a aplicação da Resolução 1559, de setembro de 2004, que exige, implicitamente, a retirada das tropas e o fim da ingerência de Damasco nos assuntos internos de Beirute. No mês seguinte, haverá eleições parlamentares no Líbano.

A entrevista aparentemente foi concedida antes de a Síria anunciar o deslocamento de tropas. Ontem uma equipe de peritos enviada pela ONU chegou a Beirute para ajudar as autoridades nas investigações sobre o atentado.

A Síria enviou suas forças militares ao Líbano atendendo a pedido do governo desse país durante a guerra civil que envolveu cristãos, muçulmanos xiitas e muçulmanos sunitas, grupos palestinos e milícias de várias correntes. Inicialmente o contingente chegou a 35 mil homens. O Vale do Bekaa tem importância estratégica para a Síria porque o país está tecnicamente em guerra com Israel e sua capital, Damasco, fica a apenas 20 minutos de carro da fronteira libanesa.