Título: Projeto da Alca pode voltar aos trilhos
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Economia, p. B10
Os governos do Brasil e dos Estados Unidos anunciaram ontem que fizeram progressos em consultas sobre o empacado projeto de criação da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, que os dois países comandam conjuntamente, e marcaram uma nova reunião para tentar superar as diferenças e recolocar as negociações nos trilhos, depois de mais de um ano de desentendimentos. "As conversas foram positivas e construtivas e ouvimos coisas encorajadoras", afirmou o co-presidente brasileiro da Alca, embaixador Adhemar Bahadian, ao descrever os dois dias de conversas com seu equivalente americano, o embaixador Peter Allgeier, que assumiu esta semana interinamente o posto de ministro do comércio exterior (USTR). Em comunicado conjunto, Bahadian e Allgeier manifestaram-se "otimistas sobre os resultados" das conversas e anunciaram uma nova reunião para os dias 29 e 30 de março.
O porta-voz do USTR, Richard Mills, disse que "os encontros foram bastante construtivos e achamos que as diferenças diminuíram". Mills informou que um desfecho positivo da próxima reunião dos co-presidentes levará à convocação dos vice-ministros dos 34 países membros da Alca "no final de abril ou em maio", quando as negociações seriam efetivamente retomadas. "Há muito trabalho a fazer, mas há movimento e estamos indo na direção certa", disse o funcionário.
IMPASSES
Do ponto de vista do governo brasileiro, um movimento dos Estados Unidos da direção certa foi a sinalização da disposição de Washington de tirar o bode que pôs na mesa de negociações em maio do ano passado, quando piorou substancialmente sua oferta original de eliminação de tarifas de importação, introduzindo a possibilidade de excluir alguns produtos.
Segundo Bahadian, esse era um dos "dois impasses" que estavam bloqueando as negociações. Os Estados Unidos admitem agora reabrir a questão e deixar em aberto o tratamento a ser dado à liberalização do comércio de produtos sensíveis.
No sentido oposto, o Brasil sinalizou a disposição de buscar uma acomodação para satisfazer a demanda americana de enfatizar na Alca a aplicação das leis de proteção de propriedade intelectual, de acordo com as leis que já adotou para cumprir compromissos que assumiu do acordo TRIPs, que governa o assunto, na OMC.
Não ficou claro, no entanto, quais os mecanismos que os EUA vão propor para os casos em que a aplicação das regras de proteção de propriedade intelectual não for feita. Por isso, o tema ainda pode criar dificuldades. Em três outras áreas de discórdia - subsídios às exportações, comércio de serviços e uso de medidas de defesa comercial, como o antidumping -, também houve aproximação de posições. Nesta última, por exemplo, contempla-se a possibilidade de os países da Alca serem obrigados a fazer consultas antes de iniciar uma ação antidumping contra parceiros.
Fontes dos dois lados disseram que houve "uma clara mudança do clima das negociações". Bahadian, que no passado não escondeu seu ceticismo em relação à Alca, fez questão de sublinhar que acredita hoje no projeto continental. Segundo observadores, a mudança de atitude refletiria a preocupação de não voltar ao Brasil de mãos vazias e enfrentar a cobrança do empresariado, que já não esconde sua frustração diante da ausência de resultados concretos das negociações de comércio de que o Brasil participa.
O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, que participou ontem em Washington de um evento do Diálogo Interamericano, chamou a atenção para este ponto ao notar "que a Fiesp tem hoje uma liderança que aposta na competitividade da indústria brasileira e está interessada em negociações que liberalizem o comércio".