Título: Internos anunciam bandeira branca
Autor: Luciana Garbin
Fonte: O Estado de São Paulo, 25/02/2005, Metrópole, p. C1

"A gente levantou bandeira branca, a gente não quer mais rebelião, a gente quer a paz. Muita gente já foi prejudicada. Acho que por um bom tempo vai ficar tranqüilo." Quem diz isso, surpreendentemente, é um interno do Complexo Tatuapé da Fundação Estadual do Bem-Estar do Menor (Febem), o maior foco de rebeliões desde as demissões em massa na quinta-feira. Experiente na instituição, ele diz que os adolescentes já começam a sentir boas mudanças com a nova Febem, mas nem todos as entendem. E ainda há unidades problemáticas. "Nunca antes vi educador chegar, sentar, ensinar hip hop, matemática. Porque vou dizer: tem menor de 17 anos aqui que não sabe escrever. Mas já melhorou bastante. Chega no pátio, tem educadora para ajudar. É um reforço meio vulnerável, muitos ainda não dão valor, mas os que já sofreram sabem como é."

Um dos líderes do complexo, ele diz ainda que o couro, ou as pancadarias, motivo sempre apresentado pelos internos para os motins, pararam nos últimos dias, depois das demissões. E por que houve rebeliões em série? "A bem dizer, nem era para ter gerado aquela grande de segunda-feira", diz. "O que tinha naquela noite era menor andando pelo quadrilátero (Tatuapé), uns 40", lembra. "Fomos lá em cima 'nas abertas' - unidades do chamado circuito médio - dizer que não era para virar, mas fomos presenteados com algumas pancadas." Segundo ele, vindas de seguranças do choquinho, que viram internos circulando sem autorização, temeram por rebelião e foram reprimi-los. "Eles entenderam mal. Ainda falei que era paz e o segurança perguntou: Paz? Toma sua paz. E deu um monte de paulada. Viram uma pá de adolescente andando sozinho e foram fazer a parte deles para dizer o certo. Aí os (internos) da 20 viram o confronto." Foi quando, segundo ele, a rebelião começou. Revoltados, os adolescentes já soltos também aderiram e o motim foi se espalhando.

Pela "ética" dos internos, se uma unidade se rebela por "causa justa", as outras também devem aderir. Quem se nega a participar pode ser mandado para o seguro (grupo de internos que precisa de proteção por ter problemas com a maioria). "Aqui é outro mundo. Se você tá junto, tá junto. Não que seja obrigado a representar (aderir), mas fica meio chato", diz o interno. "Exemplo: eu tenho uma pegação (amizade) com alguém. Na hora fácil, tô junto. Fica difícil e eu viro as costas?"

Os adolescentes querem a volta dos monitores? "Sinceramente não. Porque não vai ser bom, não vai dar certo. Um batia, outro não, mas acobertava." Diz isso e reafirma seu desejo por calma. "Pretendo evitar. Porque, com rebelião, a mídia tá fazendo ibope. Mas, se escapar pelo vão dos meus dedos, não vai estar mais ao meu alcance."

Mulheres que visitaram ontem o Complexo Tatuapé, no primeiro dia do projeto Mães na Febem, denunciam: maus funcionários antigos estão sendo recontratados para atuar no choquinho, o grupo de segurança da fundação. Após conversar com os diretores de todas as 18 unidades e com um técnico de cada, ouviram adolescentes. Entre eles, os da unidade 16, a única que não havia se rebelado na segunda-feira, e "virou" na noite seguinte. Alguns contaram que só se rebelaram porque antigos funcionários entraram com o choquinho na unidade e disseram que, se não se amotinassem, seriam considerados do seguro.

A Assessoria de Imprensa da Febem confirma que o grupo da segurança - o choquinho - está sendo ampliado e, entre as contratações, estão sendo chamados de volta alguns funcionários sem antecedentes de violência. Diz ainda que vai ser solicitado às mães que apresentem listas de nomes de funcionários supostamente envolvidos em agressões, para que sejam investigados.