Título: O Fisco sem argumento
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2005, Editorial, p. A3

O crescimento real da arrecadação tributária da União, em janeiro, expõe a fragilidade dos argumentos do governo em defesa da Medida Provisória 232 - que, a pretexto de compensar as perdas com a correção da Tabela do IR para os assalariados, aumentou de 32% para 40% a base de cálculo da CSLL e do IR incidentes sobre empresas prestadoras de serviços e profissionais liberais. Os números da Receita Federal demonstram que a arrecadação da União já vem crescendo o suficiente para compensar as alegadas perdas fiscais.

Segundo o que se divulgou anteontem, a arrecadação de tributos federais, de R$ 31,9 bilhões, foi recorde para os meses de janeiro e a segunda maior da história, superada apenas pela de dezembro último, de R$ 32,8 bilhões. O aumento nominal foi de 13,56% em relação a janeiro de 2004 e o real, descontada a inflação, foi de 5,57%. Entraram nos cofres da Receita Federal, em janeiro, cerca de R$ 1,7 bilhão a mais, compensando, em apenas 30 dias, 2/3 dos R$ 2,5 bilhões que o governo calcula que deixaria de arrecadar com a correção da Tabela do IR dos assalariados.

E, se esse aumento real da receita persistir até o final do ano, a Receita recolherá mais de R$ 20 bilhões acima da inflação - oito vezes mais do que a renúncia fiscal representada pela correção da tabela -, sem contar o aumento da carga embutido na MP 232.

Repete-se com monotonia, desde o governo FHC, uma sucessão de recordes na arrecadação federal, graças às contribuições (como a Cofins, a CSLL, PIS-Pasep, a CPMF e a Cide) que representam mais da metade da receita tributária total e que não são repartidas com Estados e municípios. Apenas com a Cofins, substancialmente elevada para as importações e cuja alíquota básica passou de 3% para 7,6%, em 2004, o Fisco obteve, em termos reais, R$ 7,669 bilhões no mês passado, ou seja, R$ 1,4 bilhão a mais do que em janeiro de 2004, quando arrecadou R$ 6,252 bilhões. Já a CSLL cresceu 10,94% no mesmo período de comparação e ajudará a engordar ainda mais os cofres públicos caso a MP 232 prevaleça nos termos em que foi enviada ao Congresso.

Deve-se lembrar que, além do aumento da tributação, a recuperação econômica ajudou a carrear recursos para a União. O crescimento real da arrecadação do Imposto de Importação foi de 7,91% entre os meses de janeiro de 2004 e 2005; de 34,85%, do IPI-Automóveis; e de 11,82%, do Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas.

Diante da grande reação dos setores produtivos contra a derrama da MP 232, as autoridades federais tentam "negociar" o novo aumento de impostos. O governo já teria admitido, por exemplo, excluir do alcance da MP 232 os produtores rurais e o setor de limpeza e segurança, como informou Ribamar Oliveira, do Estado. Quanto aos profissionais liberais, estava em estudos uma alteração na base de cálculo para CSLL e IR, que seria aumentado de 32% para 38%, e não para 40%, como prevê a MP.

Ao anunciar os dados da arrecadação, o secretário-adjunto da Receita, Ricardo Pinheiro, voltou a justificar a MP 232 como um instrumento de correção de distorções. "Muitos trabalhadores, por força dos custos do mercado de trabalho, acabam transformando-se em pessoas jurídicas para ter um emprego formal", disse ele, acrescentando que a medida também pretende combater a sonegação de IR por profissionais liberais. A argumentação não se sustenta. Os trabalhadores qualificados deixam de trabalhar com carteira assinada por uma imposição do mercado e, ao fazê-lo, passam a ter despesas obrigatórias que os assalariados não têm. Quanto à sonegação, esta deve ser combatida com os instrumentos de que o Fisco já dispõe, e não com a ampliação da base de incidência dos tributos e o aumento da carga.

A arrecadação tributária de janeiro dá razão aos críticos da carga tributária exagerada. Evidencia, ainda, que a argumentação oficial tem como objetivo, pura e simplesmente, elevar a receita para cobrir o aumento deliberado dos gastos correntes do governo que ignora as conseqüências funestas dessa política para o conjunto da economia.