Título: Sob nova direção
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Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2005, Editorial, p. A3

O Brasil já é uma potência agrícola e tem vocação para ser muito mais importante no mercado mundial, mas isso dependerá, em grande parte, dos avanços de sua tecnologia. Um papel central caberá à Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), que nos últimos 30 anos foi um dos principais fatores de modernização da atividade rural no País. Para cumprir essa missão, a empresa terá de trabalhar num ambiente muito favorável, com segurança institucional, estabilidade e a mais ampla liberdade científica. A experiência dos últimos dois anos, quando a Embrapa foi submetida ao aparelhamento político do PT, é um exemplo do que será preciso evitar de agora em diante. Seu novo presidente, o cientista Silvio Crestana, está empenhado em blindar a empresa contra a interferência político-partidária e contra as oscilações de humor dos ministros e do chefe de governo. O novo estatuto em elaboração garantirá ao presidente um mandato de quatro anos, segundo informou Crestana ao jornal Valor. Crestana mostra-se diplomático. Mesmo sabendo que sua ascensão resultou de uma vitória do ministro da Agricultura, Roberto Rodrigues, contra critérios petistas de administração, o novo presidente da Embrapa quer ser um conciliador. De modo geral, suas opiniões manifestam a sensatez e o pragmatismo que marcaram a maior parte da história da Embrapa. Reconhece que o trabalho de modernização é aplicável tanto ao agronegócio quanto à agricultura familiar. Esse reconhecimento não envolve nenhuma descoberta conceitual, até porque boa parte do crescimento do agronegócio, no Brasil, decorreu da integração entre a indústria processadora e a produção familiar. Mas é animador saber que o presidente da Embrapa reconhece fatos do dia-a-dia que uma parte do governo insiste em menosprezar ou desconhecer. Da mesma forma, ele admite que o País não deve ficar atrasado na biotecnologia. Embora reconhecendo os limites da lei e as diretrizes governamentais, Crestana defende a manutenção das pesquisas sobre transgênicos, uma linha de trabalho desvalorizada na gestão anterior, quando os pesquisadores viveram sob uma censura mal disfarçada. Também a aproximação Sul-Sul, o grande mote diplomático do governo petista, entra no discurso de Crestana. Essa aproximação deve consistir basicamente na difusão de conhecimentos, no treinamento e na troca de informações sobre agricultura tropical. Nessa área, nenhuma grande novidade, já que o trabalho de cooperação internacional é parte da história da empresa. Essencial é que o presidente da Embrapa entenda essa cooperação com realismo, sem as inclinações terceiro-mundistas que têm marcado a diplomacia econômica do governo petista. O Brasil pode contribuir para o desenvolvimento de países pobres e deve explorar todos os campos de interesse comum. Mas é preciso evitar a ilusão de que uma grande aliança entre os países do Sul criará a força necessária para enfrentar o Primeiro Mundo nas grandes questões comerciais. Basta um pouco de bom senso para perceber que também há diferenças e até oposição de interesses entre as economias em desenvolvimento. Isso é visível mesmo entre os latino-americanos, um fato que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva insiste em desconhecer. O novo presidente da Embrapa, que mal acabou de assumir os controles da empresa, parece, de toda forma, bastante realista para distinguir as linhas de trabalho e os tipos de política em que vale a pena investir. Dinheiro deve ser uma parte importante de suas preocupações. As verbas da empresa encolheram, nos últimos anos, e convém pensar em novas formas de financiamento. Ele mesmo indicou que poderá tentar a mobilização de fontes privadas. A idéia é em princípio boa e pode ser uma solução, pelo menos parcial, para o problema da falta de recursos. A Embrapa já tem alguma experiência de colaboração com empresas e cooperativas e a nova administração, portanto, não partirá do zero para a exploração desse caminho. Além do mais, a empresa tem um invejável currículo para expor a seus parceiros potenciais. Felizmente, os danos da orientação equivocada dos últimos dois anos foram limitados.