Título: Laboratório desmente governo sobre coquetel
Autor: Lígia Formenti
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2005, Vida &, p. A12

O presidente do laboratório Bristol, Mário Grieco, desmentiu a informação do governo de que a falta do remédio atazanavir, usado para tratamento de aids, foi causada por dificuldade nas negociações de preços. Anteontem, o secretário-executivo do Ministério da Saúde, Antonio Alves de Souza, afirmou que ela seria fruto de três fatores: negociação tardia para determinar o preço, demora na liberação de verba para aquisição do produto e aumento significativo de pacientes que usam a droga. "Demora na liberação na verba pode ter ocorrido, isso o governo é que tem de dizer. Nós não dificultamos as negociações", disse ontem. Segundo ele, a empresa cumpriu rigorosamente o cronograma fixado no contrato. "Entregamos em janeiro um lote suficiente para tratar 18 mil pacientes, durante um mês. Foi o que havia sido requisitado pelo governo." Grieco não quis comentar as razões de o produto estar em falta. "Talvez tenha sido erro de cálculo do ministério ou falta de recursos para comprar um lote maior."

Para reduzir o desabastecimento do produto, o Bristol fretou ontem um avião nos EUA para trazer o suficiente para tratar outros 20 mil pacientes, por um mês. Incluído no coquetel antiaids há menos de três anos, o atazanavir é patenteado pelo Bristol e indicado apenas para pacientes com intolerância a outras drogas.

Em Brasília, o Ministério da Saúde afirmou, porém, que a encomenda de janeiro já estava acertada desde 2004 e se tratava de um tipo que não está em falta - o de 150 miligramas. Também informou que a remessa determinada na negociação de dezembro e concluída no contrato em janeiro ainda está por vir. Esta, sim, é do produto em falta - o de 200 mg.

ACAREAÇÃO

Além do atazanavir, o País enfrenta falta de outros remédios. O governo atribuiu o problema ao atraso na entrega de matéria-prima do AZT. Mas a falta não foi geral. Tanto Farmanguinhos quanto Lafepe garantem ter cumprido rigorosamente os convênios com o ministério. O laboratório Iquego, porém, registrou problema de abastecimento, mas desde outubro.

"Só com uma acareação entre governo e laboratórios podemos esclarecer a verdade", afirmou o representante das ONGs no Conselho Nacional de Aids, José Araújo. Ele afirma que entidades há anos alertam para o risco de desabastecimento de janeiro a março. "É uma falta de organização. Todos sabem que recursos demoram a ser liberados."

Mas o desabastecimento deste ano não teve precedentes. Na reunião do conselho na semana passada, o coordenador do Programa Nacional de DST/Aids, Pedro Chequer, cogitou retardar o ingresso de novos pacientes ao tratamento. A proposta foi descartada pelos demais integrantes. O conselho redigiu uma carta ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva pedindo mais organização na compra de remédios e a quebra de patentes. "A máscara de melhor programa de aids caiu. Isso não existe", avaliou Araújo.

Em São Paulo, as 16 unidades do Programa de DST/Aids poderão retirar hoje os medicamentos do lote importado da Argentina em caráter de emergência pelo governo. A remessa chegou ontem ao almoxarifado central. No interior e no litoral do Estado, os remédios só devem chegar em três a cinco dias úteis, disse Alexandre Gonçalves, do programa estadual. É o prazo necessário entre a chegada e a entrega ao paciente.