Título: Bancos lucram como nunca em 2004
Autor: Priscilla Murphy
Fonte: O Estado de São Paulo, 23/02/2005, Economia, p. b1

O lucro espetacular anunciado ontem pelo Banco Itaú, de R$ 3,8 bilhões, coroa uma temporada de resultados recordes para os bancos brasileiros. Dos cinco maiores, apenas a Caixa Econômica Federal ainda não divulgou o resultado de 2004. Entre os outros quatro, três registraram lucro líquido acima de R$ 3 bilhões, um resultado inédito em termos nominais. O Banco do Brasil anunciou um lucro de R$ 3 bilhões, o Bradesco, de R$ 3,1 bilhões, e o Unibanco, de R$ 1,3 bilhão. A explicação para a lucratividade crescente dos bancos no Brasil inclui uma série de fatores, que vão da macroeconomia atual à história do sistema financeiro e à perspectiva de queda dos juros brasileiros no médio prazo, dizem professores e analistas especializados no setor.

Nos últimos 40 anos, a estrutura do sistema financeiro mudou muito e continuou a mudar em 2004, rumo a um cenário no qual, se o crescimento sustentado da economia se confirmar, dentro de alguns anos haverá muito mais disponibilidade de crédito e a um custo muito menor para consumidores e empresas. Isso sem que os bancos necessariamente se tornem menos lucrativos, dizem analistas.

"Em primeiro lugar, os grandes bancos brasileiros são empresas extremamente bem geridas, com pesados investimentos em tecnologia e aumento da produtividade", diz o diretor do MBA da Faculdade de Administração da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Tharcisio Bierrenbach.

Antes do Plano Real, os bancos ganhavam todo o dinheiro driblando a inflação para proteger a poupança dos clientes endinheirados, enquanto a renda dos trabalhadores que não tinham poupança despencava hora a hora. Em 2003, o último ano completo de inflação descontrolada no Brasil, os bancos tiveram uma receita equivalente a R$ 9 bilhões com o floating, que era a aplicação do dinheiro dos depositantes por curtíssimo prazo, enquanto as transferências viajavam pelo sistema de compensação.

Debelada a inflação, os bancos começaram a cobrar tarifas por seus serviços. Em 1994, ano em que foi instituído o Plano Real, o porcentual da receita dos bancos obtido com títulos do governo era de 28,2%, praticamente o mesmo de hoje, ou 27,8% em dezembro do ano passado, segundo um levantamento da consultoria Austin Rating feito a partir de uma amostra de 24 bancos.

A receita com crédito subiu de 36,5% para 46,5% nos últimos dez anos. Enquanto isso, inverteram-se os papéis da receita com serviços e da receita com operações como câmbio. Enquanto as tarifas representavam 8,8% das receitas totais em 1994, hoje essa fatia subiu para 19,3%. As receitas com câmbio, por sua vez, despencaram de 26,5% para 6,3% em dezembro de 2004.

A próxima fase de evolução do sistema financeiro, dizem os professores e analistas, é a era do crédito, que começa a aparecer ainda timidamente nos resultados do sistema. "O mercado financeiro é uma ressonância da economia", diz o analista da Austin Rating Luis Miguel Santacreu. "Os bancos estão ganhando porque a economia está ganhando."

Se a economia confirmar a expectativa de crescimento nos próximos anos, os juros básicos devem cair, barateando o custo do dinheiro para todos os tomadores. Com juros menores, mais pessoas e empresas poderão tomar empréstimos, o que aumentará em muito a escala diminuta do crédito no Brasil hoje.

Uma escala maior de operação por sua vez reduziria os custos operacionais e o juro para o tomador. O crédito à pessoa física, por exemplo, poderia dobrar ou triplicar se os juros médios cobrados caíssem de 6% a 7% ao mês para 2% ou 3%, diz o professor de contabilidade da Brazilian Business School, Alfredo Reis.

"O espaço para o crescimento do crédito no Brasil é tão grande que é difícil calcular", diz o professor, lembrando que, enquanto a diferença entre o Brasil e os Estados Unidos nos principais indicadores econômicos per capita é sempre de 10 a 15 vezes, como no caso do Produto Interno Bruto ou na quantidade de automóveis, por exemplo. "Já o volume de crédito nos EUA é 200 vezes maior que o do Brasil."