Título: Desenvolver não significa desmatar
Autor: Evanildo da Silveira
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2005, Vida &, p. A8

Grande parte dos setores industrial e do agronegócio e até do governo, como algumas áreas dos Ministérios da Agricultura e das Minas e Energia, tem defendido nos últimos tempos a idéia de que as leis e as políticas ambientais impedem ou no mínimo prejudicam o crescimento econômico. Eles reclamam do que consideram rigor excessivo das leis ambientais, que desestimularia a instalação de indústrias e impediria a derrubada de florestas para abrir espaço para a agropecuária. Um estudo recente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) tenta mostrar, no entanto, que essa suposta incompatibilidade entre desenvolvimento e meio ambiente não existe. O autor do trabalho, o economista Carlos Eduardo Frickmann Young, do Instituto de Economia da UFRJ, diz que há alguns mitos sobre essa incompatibilidade, que não se sustentam, porém, em uma análise mais rigorosa. Entre tais mitos, ele destaca os de que "o maior fator de pressão sobre o desmatamento é o crescimento demográfico nas áreas rurais" e "a derrubada da floresta é necessária para o crescimento econômico, a geração de emprego e a garantia de melhores condições de vida da população rural."

Quanto ao primeiro, ele diz que não há uma relação automática entre crescimento populacional e desmatamento. "Se fosse assim, quando a taxa demográfica diminuísse haveria uma redução na perda de florestas", explica. "Que deveria ser ainda mais acentuada se a população diminuísse. Mas não é isso o que se observa. A população diminuiu, mas os desmatamento continua."

Segundo Young, dados sobre a população rural do Sudeste e do Sul revelam o esvaziamento do campo. "Essa população vem diminuindo desde os anos 60 no Sudeste e desde os anos 70 no Sul", diz. "A perda absoluta de população rural nos últimos 40 anos chegou a mais de 7,5 milhões de pessoas, mas o desmatamento em todos os Estados dessas duas regiões continuou crescendo nesse período."

Os números apresentados pelo economista da UFRJ revelam que apenas de 1985 a 1995 a perda acumulada de floresta no Sudeste e no Sul chegou a mais 1 milhão de hectares. "Conclui-se, portanto, que o crescimento da população, por si só, não explica o declínio da mata atlântica", explica. "Pois há muito tempo a população rural vem diminuindo, mas o desmatamento continua."

Quanto ao outro mito, o de que o desmatamento seria necessário para "gerar empregos e garantir melhores condições de vida à população que se instala nas áreas de floresta convertidas à agropecuária", também não se sustenta, segundo Young. "Ainda tomando como base os Estados do Sul e do Sudeste, as estatísticas não comprovam essa relação", diz. "Houve redução de 2,4 milhões de postos de trabalho na agropecuária dessas regiões entre 1985 e 1996, apesar do aumento de mais de 1 milhão de hectares de áreas desmatadas."

Como a maior parte dos dados que embasam seu trabalho se referem às regiões Sul e Sudeste, Young admite que para o cerrado e a floresta amazônica sua análise pode, hoje, apresentar resultados diferentes, pois essas fronteiras ainda estão abertas. A longo prazo, no entanto, vai se repetir o que tem ocorrido ao longo da história do Brasil.

De acordo com ele, sempre houve no País a visão de que o desmatamento é inerente à ocupação territorial e ao modo de produção estabelecidos no Brasil rural desde a era colonial. "Os ciclos econômicos históricos (pau-brasil, açúcar, gado, ouro e café) sempre se apoiaram no uso predatório de recursos naturais, com graves danos ambientais", explica. "Eles não eram modelos econômicos sustentáveis."

O mesmo vem ocorrendo na Amazônia e no cerrado. "Chama a atenção, por exemplo, a pouca demanda de mão-de-obra na atual expansão agrícola no Centro-Oeste", diz o economista. "Também já se nota leve tendência de queda dos preços da soja em razão do excesso de oferta. Ou seja, após os ganhos extraordinários pela incorporação de áreas de fronteira agrícola, não há por que esperar resultados diferentes dos vistos nas demais regiões do País: êxodo rural e destruição contínua das áreas de vegetação nativa."

CRÍTICAS

O presidente da Comissão Nacional de Meio Ambiente da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), Assuero Doca Veronez, pensa de maneira diferente. "A legislação ambiental, principalmente o Código Florestal (instituído pela Lei nº 4.771, de 15 de setembro de 1965), está esterilizando parte do País", diz. "Ele tem 40 anos, está arcaico. Foi feito num momento em que o Brasil era outro. Precisa ser revisado e modernizado."

A maior crítica de Veronez ao Código Florestal é ao fato de ter criado a chamada reserva legal. Esse dispositivo estabelece que 20% - 50% no caso da Amazônia Legal - de qualquer propriedade rural deve ser mantida intocada, como reserva ambiental. "Uma reserva legal de 20% linear, para todas as propriedades, sem levar em conta as especificidades de cada uma, inviabiliza uma agricultura moderna e competitiva", diz. "Além disso, esse problema foi agravado pela Medida Provisória 2.166 (de 24 de agosto de 2001), que aumentou a reserva legal na Amazônia para 80% e no cerrado para 35%."

Para o coordenador de Competitividade Industrial da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Maurício Mendonça, o maior problema é o licenciamento ambiental, previsto no artigo 225 da Constituição Federal e na Lei n.º 6.938, de 31 de agosto de 1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente.

Segundo Mendonça, hoje qualquer atividade precisa de licenciamento ambiental. "Para piorar, há um choque de competências sobre quem pode licenciar o quê", critica. "Quem quer obter o licenciamento para uma grande obra, por exemplo, não sabe se deve recorrer ao município, ao Estado ou à esfera federal. Por isso, é preciso simplificar a legislação, para que o empreendedor saiba o que é preciso para um licenciamento, quanto tempo vai demorar o processo e qual será o custo."

Nesses casos, o economista Young concorda que a legislação ambiental é pouco flexível. "Para resolver esse impasse, é preciso flexibilizar as leis", opina. "E aplicá-las com menor custo econômico. Só assim vai se entender que as leis ambientais não são contra o crescimento." Para ele, a grande mudança que deve ser feita, entretanto, é no modelo econômico. "Hoje, o único objetivo da política econômica é o controle da inflação", observa. "É preciso adotar um modelo sustentável, de longo prazo, que enfoque o verdadeiro objetivo do desenvolvimento: uma vida melhor para todos."