Título: Parte da reforma tributária empacou
Autor: RIBAMAR OLIVEIRA
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2005, Economia, p. B2

Em 2003, o governo vendeu a idéia com grande entusiasmo. Hoje, ela está engavetada. A proposta de substituir parcialmente a contribuição patronal ao INSS, que incide sobre a folha de salários, por outra contribuição sobre o faturamento foi colocada no texto constitucional por iniciativa do governo Lula. Ela fez parte da primeira etapa da reforma tributária - aquela que prorrogou a CPMF, o mecanismo de desvinculação de receitas da União (DRU) e permitiu a cobrança da Cofins e do PIS sobre as importações. O governo chegou a dar um prazo de 90 dias para preparar a regulamentação da medida. Nada aconteceu. Um novo prazo de 120 dias também não foi suficiente para que a regulamentação fosse definida. Depois, o assunto parece ter caído no esquecimento. O ministro do Trabalho, Ricardo Berzoini, que também já foi ministro da Previdência, garante que o governo não desistiu da idéia. Ele considera, no entanto, que o assunto precisa ser tratado com cuidado porque sua tramitação no Congresso é muito difícil e porque há riscos de queda da arrecadação previdenciária. A dificuldade de tramitação decorre, segundo Berzoini, do fato de que a mudança terá impactos diferentes nos vários setores da economia. "A taxação vai aumentar para uns e diminuir para outros", lembra. "Construir uma alternativa política para aprovar a medida é o grande desafio", observa.

O governo apresentou dois argumentos principais a favor da proposta, na época em que a incluiu no texto da reforma tributária. O primeiro foi que atualmente, no Brasil, as contribuições previdenciárias sobre a folha de salários chegam a 32% (aí incluída a contribuição para acidentes de trabalho), o que é um recorde mundial. Esse elevado encargo sobre a folha desestimula a formalização da mão-de-obra, com consequências nefastas para o próprio financiamento da Previdência Social.

Se a parte patronal fosse substituída por uma outra contribuição sobre o faturamento, explicava o governo, haveria um estímulo à contratação de mão-de-obra com carteira assinada e uma redução da informalidade. O novo tributo teria a mesma configuração da atual Cofins - também seria não cumulativo. Com isso, ele poderia ser retirado das exportações, o que daria maior competitividade aos produtos brasileiros no exterior.

O segundo argumento apresentado, e talvez o mais importante, foi que a Previdência Social precisa de uma base mais ampla de contribuintes. A progressiva modernização tecnológica permite que as empresas produzam cada vez mais e melhor com um número cada vez menor de trabalhadores. A questão é que os trabalhadores, mesmo aqueles que foram demitidos por causa da modernização tecnológica, irão se aposentar um dia. O Estado terá que encontrar os recursos necessários para financiar pelo menos a Previdência básica - aquele mínimo que será garantido a todos os cidadão por ocasião da aposentadoria.

Com uma contribuição sobre o faturamento, as empresas que empregam pouca mão-de-obra (ou seja, que são de capital intensivo) passariam a pagar mais do que fazem atualmente e as empresas que contratam muitos trabalhadores, como as da construção civil e dos setores de serviços, passariam a pagar menos. Com a substituição da contribuição sobre a folha por um tributo sobre o faturamento, o governo colocaria em prática um dos princípios dos regimes previdenciários públicos, que é o da solidariedade social.

Esta coluna apurou que a proposta empacou por três razões principais. A primeira delas foi a resistência inicial dos auditores da Previdência Social à criação de uma contribuição que será arrecadada e administrada pela Secretaria da Receita Federal (SRF) e não pelo INSS. Mesmo que a substituição da contribuição previdenciária sobre a folha seja parcial, como é a idéia do Ministério da Fazenda, os auditores do INSS certamente perderão poder para os seus colegas da Receita Federal. Quem conhece um pouco dos humores da burocracia sabe que essa questão pode despertar má vontade e resistências.

Outra razão é a ação dos lobbys industriais e financeiros. Os bancos pagarão muito mais do que atualmente e algumas indústrias poderosas também, como as montadoras de veículos. O setor mais beneficiado será o de serviços, que foi penalizado quando a Cofins deixou de ser cumulativa. Na época, o governo argumentou que o setor de serviços seria compensado com a troca de 50% da contribuição previdenciária sobre a folha por outro tributo sobre o faturamento. O lobby contra a medida se expressa de várias formas e está sendo feito, apurou esta coluna, até mesmo por líderes sindicais preocupados com os impactos negativos sobre os empregos em seus setores.

Uma terceira razão é de natureza técnica e operacional. Como implantar o novo sistema de forma a não causar impactos negativos sobre a arrecadação da Previdência e como calibrar a alíquota, que se somaria aos 7,6% da Cofins e aos 1,65% do PIS, que também incidem sobre o faturamento? Uma alíquota muito elevada é um estímulo adicional à sonegação. Uma forma de contornar o problema seria fazer uma mudança gradual e ao longo do tempo.

Mesmo que ainda tente implementar essa medida até o fim de 2006, o governo Lula já desistiu de outra idéia: a de isentar ou reduzir a contribuição do INSS sobre os salários mais baixos. Há, nesta proposta, implicações muito sérias do ponto de vista do desenvolvimento econômico. Se ela fosse colocada em prática, argumentam algumas fontes, o governo estaria incentivando a criação de empregos de baixa qualificação.