Título: Vendas reduzem efeitos do câmbio
Autor: Nilson Brandão Junior
Fonte: O Estado de São Paulo, 21/02/2005, Economia, p. B3

O avanço da cultura exportadora no País está amenizando parcialmente os efeitos do recuo do câmbio sobre o comércio exterior. Perto de 68% das indústrias francamente exportadoras - vendem acima de 50% do que faturam para fora - projetam para o primeiro trimestre deste ano vendas iguais ou superiores aos últimos três meses em 2004, conforme pesquisa da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Além disso, mantêm expectativas favoráveis para seus negócios no prazo de seis meses. Na avaliação do coordenador da pesquisa, Aloísio Campelo, os resultados gerais do levantamento indicam uma leve desaceleração de expectativas, se comparadas ao início do ano passado. Isso porque em janeiro de 2004 a fatia de indústrias que esperavam crescimento ou estabilidade era um pouco maior: 73%. O levantamento, feito com 80 empresas que faturam R$ 36,4 bilhões ao ano, mostra, também, que o País está em um novo nível em comércio exterior e não há sinais, até o momento, de inversão desta tendência.

Ao responderem como estará a situação dos seus negócios em seis meses, 93% indicaram melhoria ou estabilidade comparado a hoje - apenas 7% acreditam em piora. Sinal do superaquecimento, o uso da capacidade instalada no início deste ano foi de 90,6% (com ajuste sazonal), segunda maior taxa desde o início do acompanhamento, há 19 trimestres.

Mesmo na indústria em geral, independentemente do grau das exportações, o resultado da previsão de demanda externa no trimestre, embora pouco abaixo de janeiro de 2004, é a segundo maior desde janeiro de 1980.

Os dados mostram um novo nível em comércio exterior, o que o ajuda a enfrentar problemas de curto prazo, como o câmbio. "Caminhamos para o superávit estrutural da balança comercial. Houve uma mudança de cultura", diz o ex-secretário-adjunto de Política Econômica, Roberto Iglesias, hoje consultor da Cepal em Santiago, no Chile. "Que há um novo patamar de exportação, não há dúvida. O problema é que o câmbio valorizado tende a prejudicar o ritmo do crescimento das exportações", afirma o economista da Fundação Centro de Estudos em Comércio Exterior (Funcex), Fernando Ribeiro.

Nos últimos anos, grandes empresas intensificaram projetos de internacionalização, casos da Gerdau, Votorantim, CSN, Marcopolo, Petrobrás, Weg e Vale do Rio Doce. Já as desvalorizações de 1999 e 2002, associadas ao aumento de produtividade desde o início da década passada e ao fraco mercado interno, estimularam as exportações. Segundo estudo da Funcex, a parcela de exportações no faturamento da indústria do País quase duplicou, de 9,6% em 1996 para uma taxa estimada de 18% em 2004.

ESTRATÉGIAS

O ex-secretário de Política Econômica José Roberto Mendonça de Barros concorda que as exportações estão resistentes e cita que alguns fatores contribuem para isso, como a "cultura exportadora", negociações de preços em dólar com clientes, acordos de multinacionais com suas matrizes e preços internacionais favoráveis de setores como café, metais, carnes e açúcar. "Isso faz retardar uma eventual queda do crescimento das exportações. Os pequenos, que têm menor margem, estão mais afetados", comenta o economista.

No mês passado, a balança comercial exibiu saldo de US$ 2,183 bilhões, recorde histórico para o período. A questão é até quando o movimento externo evoluirá ao largo do câmbio desfavorável. Para Mendonça de Barros, o câmbio está muito valorizado e o efeito sobre os números do comércio exterior pode ficar mais para o fim deste ano ou do início de 2006. A pedido do Estado, a Funcex estimou que o crescimento das vendas externas com o câmbio a R$ 2,75 este ano seria em torno de 5% - metade dos 10% projetados com o dólar a R$ 3,00.

Enquanto isso, as empresas montam suas estratégias. Na semana passada, a Klabin expressou que "continuará focando o mercado externo, mesmo num cenário de valorização do real em relação ao dólar". A indústria, que investe em expansão fabril, não quer deixar clientes no exterior.

"Evidentemente, o dólar no nível atual não é favorável como em outros patamares, mas temos tradição exportadora e continuamos acreditando que os movimentos das moedas são cíclicos", disse o diretor Wilberto Lima Jr. Entre quatro e cinco anos, a parcela das receitas em exportações da Klabin aumentará dos atuais 30% para 40% do faturamento.

A petroquímica Braskem divulgou no seu balanço que investe para atender à crescente demanda do mercado doméstico e manter o patamar atual, em torno de 20%, das receitas em vendas externas, diz o vice-presidente de Relações Institucionais, Alexandrino de Alencar. No mesmo setor, a Riopolímeros, que entra em operação neste semestre, já tem contrato definido para a exportação de 30% da produção nos próximos quatro anos, o que garantirá receitas em moeda forte, fundamentais para fazer frente aos financiamentos externos.

A exportação de serviços também apresenta avanços. Cerca de 70% do faturamento de US$ 400 milhões no ano passado da GE Celma, especializada em revisão de turbinas de aviões, foi proveniente de clientes no exterior. Neste ano, o faturamento deve subir para perto de US$ 500 milhões e as exportações de serviços para uma faixa entre 75% a 80% do total, diz o presidente da empresa, Marcelo Soares.

O economista da LCA Carlos Urso concorda que o câmbio atual sacrifica a rentabilidade, mas explica que outro fator é determinante para o avanço das exportações, além da cotação da moeda: a demanda externa. "O peso do comércio internacional é maior do que o do câmbio. Se a economia mundial continuar crescendo e o câmbio médio no ano for de R$ 2,75, dá para se chegar a um saldo de US$ 30 bilhões", conclui Urso.