Título: Síria deve tirar tropas do Líbano dentro de meses, anuncia Assad
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Fonte: O Estado de São Paulo, 02/03/2005, Internacional, p. A14

A Síria espera retirar suas tropas do Líbano dentro de alguns meses. A surpreendente declaração foi feita pelo presidente sírio, Bashar Assad, em entrevista à revista americana Time, e divulgada ontem no site da publicação. "Poderia ocorrer em breve (a retirada), talvez nos próximos meses. Não posso dar-lhe uma resposta técnica. Será nos próximos meses", disse Assad. O presidente sírio disse que não poderia precisar o prazo porque ainda não se reuniu com os comandantes do Exército. "Eles podem dizer que levará seis meses", justificou, acrescentando ser necessário preparar o retorno e o local para onde serão levadas as tropas. Há outros dois fatores importantes, segundo Assad: "O primeiro é a segurança do Líbano. O segundo, relacionado com a Síria, é que depois da retirada temos de proteger nossa fronteira."

Assad lembrou que quando Israel invadiu o Líbano, em 1982, seu Exército chegou muito perto de Damasco. A capital síria fica a menos de meia hora de carro da fronteira libanesa.

As palavras do presidente não foram imediatamente confirmadas nem desmentidas pelas autoridades de Damasco - um dado importante, já que ontem o governo sírio negou que Assad tivesse dito esta semana ao diário italiano La Repubblica que previa um ataque americano a seu país, "mas não iminente". La Repubblica assegurou ter reproduzido exatamente o que Assad disse. A Síria mantém cerca de 14 mil soldados em território libanês.

Submetido a forte pressão dos EUA, da ONU e da União Européia, o governo sírio anunciou na semana passada que começaria a remover parte de seus soldados para o Vale do Bekaa, região do leste do Líbano na fronteira com a Síria. Mas deixou claro que a medida seria tomada em comum acordo com o governo libanês, fortemente influenciado por Damasco, e com base no Acordo de Taif, que pôs fim à guerra civil libanesa (1975-1990).

Não ficou claro se Assad concedeu a entrevista depois da renúncia do primeiro-ministro libanês, Omar Karami, na segunda-feira, pressionado por cerca de 25 mil manifestantes que exigiam sua saída do governo, a retirada das tropas sírias do país e a destituição do presidente Emile Lahoud. A oposição libanesa acusa a Síria de envolvimento no atentado com carro-bomba que matou, no dia 14, o ex-primeiro-ministro Rafic Hariri, muito popular por ter impulsionado a reconstrução do país após a guerra civil.

Karami apresentou sua demissão antes que a oposição levasse à votação uma moção de desconfiança no governo (apoiado pela maioria no Parlamento). Fontes oficiais disseram que Lahoud deu aos parlamentares 48 horas para que chegassem a um acordo sobre um novo primeiro-ministro. Ativistas da oposição começaram a distribuir folhetos defendendo a indicação da irmã de Hariri, Bahia. "Isto seria um avanço no mundo árabe: uma mulher na frente do governo. Façamos com que seja possível", dizia o texto.

Na Praça dos Mártires, cerca de 2 mil pessoas continuavam ontem com o protesto, agitando bandeiras do país - número bem inferior ao de segunda-feira. "Tua vez chegará, Lahoud", gritavam os manifestantes. Nessa praça, agora chamada de Liberdade pelos ativistas, fica a mesquita de Amin, onde Hariri, um muçulmano sunita, foi enterrado.

Na grande maioria, os manifestantes são cristãos maronitas, que iniciaram há vários anos sua campanha pela retirada das forças sírias. Drusos e árabes sunitas também participam dos protestos. No entanto, os muçulmanos xiitas, que constituem a maior comunidade do Líbano e contam com a proteção síria, praticamente não apoiaram a demanda.

Diplomatas árabes disseram ontem que o Egito e a Arábia Saudita estão tentando persuadir a Síria a aceitar um cronograma para a retirada completa até abril, mês em que o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, terá de apresentar um relatório ao Conselho de Segurança. No texto Annan terá de especificar os passos tomados por Damasco para cumprir resolução do CS, de setembro, exigindo a remoção do contingente militar do Líbano. O CS ameaça impor sanções à Síria. (AP, Reuters, DPA e AFP)