Título: No debate fundiário, uma briga de partidos
Autor: Leonencio Nossa
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2005, Nacional, p. A8
Quatro senadores da Comissão Externa de Acompanhamento das Investigações do Assassinato de Dorothy Stang desceram ontem de helicóptero em Anapu, trazendo as disputas partidárias nacionais para dentro da Câmara Municipal da outrora pacata cidade. Por 3h30, cerca de 50 pessoas se acotovelaram no pequeno salão, e outras cem ouviram no pátio de fora. Enquanto senadores petistas tentavam arrancar dos depoentes que nada havia de errado com órgãos do governo federal, o do PFL procurava provar o contrário e o do PSDB defendia o governador paraense, o tucano Simão Jatene. A senadora Ana Júlia Carepa (PT-PA) perguntou várias vezes ao presidente da Associação Madeireira dos Municípios de Anapu e Pacajá, Leivino Ribeiro, se os atrasos na emissão de autorizações permanentes de exploração de madeira nos assentamentos, em parceria com o Plano de Desenvolvimento Sustentável (PDS) da irmã Dorothy eram culpa da direção atual do Incra ou problema do baixo escalão. Ana Júlia aplaudiu quando ouviu finalmente que o motivo "não é a má vontade do presidente do Incra, mas de funcionários que estão lá há 30 anos".
O padre José Amaro Lopes de Souza, da Comissão Pastoral da Terra, e o presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis dos Santos Souza, o Chiquinho do PT, candidato derrotado à prefeitura, em entrevistas ao Estado, responsabilizaram o Incra pelos conflitos da região. "Não adianta mudar a cabeça se o corpo continua podre", disse o padre, separando a presidência dos funcionários do Incra.
A discussão esquentou quando o presidente da Associação Agrícola do Rio Água Preta, Josildo Carlos Freitas, responsabilizou o presidente do Incra, Rolf Hackbart, e o da República, Luiz Inácio Lula da Silva, pela morte da missionária. Chamando o líder dos colonos de irresponsável, o senador Eduardo Matarazzo Suplicy (PT-SP) disse, alterado, que "podia provar" que Hackbart e Lula nada tinham a ver com a morte da freira. Já Ana Júlia ameaçou processar Josildo, convocado por causa da reportagem do Estado de domingo sobre colonos expulsos de sua gleba e excluídos de cadastro de cestas básicas por não concordarem com o PDS. "Ué, não é o Incra que tem de demarcar terras? E o presidente do Incra não é amigo do Lula?", insistiu Josildo.
Enquanto depunha, Laudi Witeck, presidente da Associação dos Produtores da Terra do Meio, região que não inclui o município onde a missionária foi assassinada, mas que foi interditada pelo Ministério do Meio Ambiente em resposta ao crime, o senador Demósthenes Torres (PFL-GO) quis saber se o chamado "pacote verde" federal resolveria o problema fundiário. "Problema fundiário se resolve com a presença do Estado", enfatizou Witeck. Ana Júlia perguntou-lhe se as polícias estaduais estavam presente na região. "Eles nunca investigam os crimes lá", foi a resposta. Ao que o senador Flexa Ribeiro (PSDB-PA) protestou: "Não dá para colocar um policial em cada fazenda."