Título: Discretamente, Assad dá início a modestas reformas
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2005, Internacional, p. A13

Quando Ayman Abdul Nour publicou uma petição em seu website assinada por mais de 250 intelectuais pedindo que o governo sírio retirasse suas tropas do Líbano, sabia que estava testando os limites dos passos tateantes do país rumo à liberdade de expressão. Em vez de ter a polícia secreta batendo a sua porta, no entanto, Nour, analista político e membro do governante Partido Baath, recebeu uma chuva de mensagens de apoio - incluindo de alguns membros do governo.

Não se tinha notícia de dissidência sob Hafez Assad, o falecido presidente. Mas seu filho, Bashar Assad, que o sucedeu em 2000, está introduzindo discretamente uma nova era de reforma, auxiliado por sua glamourosa mulher nascida em Londres, Asma.

Não se sabe se o presidente, que adora computadores - e a quem a petição era dirigida -, visitou o website. Porém, com a pressão internacional sobre a Síria aumentando no rastro de seu suposto papel no assassinato do ex-primeiro-ministro libanês Rafic Hariri, Bashar - oftalmologista educado na Grã-Bretanha - dificilmente teria se chocado com o conteúdo.

"Chegou a hora de a Síria adotar novas políticas e acelerar a construção de uma nova, saudável e amigável relação com o Líbano", declarava a petição. "Algo novo e perigoso dirige-se a nosso país e procura recriar seu destino e o de sua geração futura." Para muitos sírios, a mudança, embora perceptível, tem sido lenta demais desde que Bashar chegou ao poder. No entanto, em meio à comoção provocada pela morte de Hariri, uma sensação de revolta popular ameaça acelerar o processo.

Crescem os pedidos entre os intelectuais sírios por mudanças abrangentes no governo, onde a liderança do Partido Baath é considerada muito distante do povo.

"A Síria precisa retirar suas tropas do Líbano", disse Yassin al-Haj Saleh, respeitado analista político.

"Nunca encontramos um pretexto respeitável para estar lá." Aumentando a pressão sobre o regime, há temores em Damasco de que os EUA e a França estejam pensando em congelar várias contas bancárias pessoais no exterior de alguns altos funcionários sírios, particularmente da comunidade de inteligência.

O governo sírio na verdade parece estar tomando alguma iniciativa no Líbano. Walid al-Mualem, o vice-primeiro-ministro, disse quinta-feira que seu país vai iniciar "retiradas" em respeito ao acordo de Taif, de 1989, que pôs fim à guerra civil libanesa.

Isto pode não ser suficiente para satisfazer Walid Jumblatt, o líder opositor libanês, e muitos de seus compatriotas, que querem uma retirada completa das tropas e o desarmamento do Hezbollah, apoiado pela Síria, como descrito na Resolução 1559 da ONU. A maioria dos analistas concorda que a Síria poderá anunciar seus planos finais de retirada na cúpula árabe deste mês em Argel.

Embora muitos sírios tenham se irritado com a ameaça de sanções, eles ficaram mais chocados com a força da revolta pública demonstrada contra eles no Líbano. Notícias de trabalhadores sírios pobres no Líbano sendo espancados e sofrendo abusos ajudaram a motivar os intelectuais a lançar seu manifesto, que, além de pedir a retirada síria, pediu que os libaneses sejam mais amigáveis.