Título: EUA saúdam demissão de Karami
Autor: Paulo Sotero
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2005, Internacional, p. A13

A administração Bush aplaudiu ontem a decisão do governo pró-Síria do Líbano de renunciar coletivamente, respondendo à pressão de milhares de manifestantes que acusaram o gabinete do primeiro-ministro Omar Karami e as autoridades de Damasco de cumplicidade no atentado à bomba que matou o ex-primeiro-ministro Rafic Hariri. A Casa Branca também exortou a Síria a cumprir prontamente a Resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU, que reitera a exigência da retirada dos 14 mil soldados que mantém no Líbano sob o argumento de que sua presença é um fator de estabilização do país.

"Estamos acompanhando de perto os acontecimentos com grande interesse", disse o porta-voz da Casa Branca, Scott McClellan. "A renúncia do governo Karami representa uma oportunidade para o povo libanês ter um novo governo verdadeiramente representativo da diversidade de seu país." McClellan acrescentou que "as forças militares e o pessoal de inteligência sírio precisa deixar o país (porque) isso ajudará a assegurar que as eleições sejam livres e justas".

Numa manifestação adicional de apoio à mudança de regime no Líbano, a Casa Branca anunciou ontem que o presidente George W. Bush receberá no dia 16 o chefe da Igreja Cristã Maronita, cardeal Nasrallah Sfeir, figura identificada com a causa da recuperação da soberania pelo Líbano.

"O cardeal é uma importante voz em favor da independência do Líbano, da liberdade e da democracia", afirmou McClellan. "Ele é respeitado em todo o Líbano e ao redor do mundo por sua liderança religiosa e por promover a harmonia entre as diferentes religiões em seu país."

O porta-voz insistiu que "o processo (de escolha) de um novo governo deve prosseguir de acordo com a Constituição libanesa e deve estar livre de toda interferência estrangeira". Segundo McClellan, o povo libanês demonstrou claramente seu desejo por um futuro livre e independente e sem interferências de fora.

Pouco depois, o subsecretário de imprensa do Departamento de Estado, Adam Ereli, reiterou a mensagem. "O povo encheu as ruas para pedir de volta o controle de seu país, livre de intimidação e de tropas estrangeiras."

McClellan evitou comentar o anúncio sobre a captura pela Síria e a entrega ao Iraque de Sabawi Ibrahim al-Hassan, meio-irmão do ex-ditador iraquiano Saddam Hussein que estava na lista dos mais procurados entre os supostos líderes da rebelião sunita no país. Ele tampouco quis se pronunciar sobre se a renúncia do governo Karami teria sido um gesto de boa vontade de Damasco. "Veremos por suas ações se eles estão comprometidos em mudar seu comportamento."

O comedimento do porta-voz não diminuiu, porém, a satisfação da administração americana com fatos que apontam para o inesperado sucesso da política pró-democratização do Oriente Médio que a Casa Branca adotou a partir do Iraque, depois que se revelou falso o motivo inicialmente alegado - a existência de um arsenal de armas de destruição em massa - para justificar a invasão do país.

A partir de sábado, num intervalo de menos de 72 horas, o presidente Hosni Mubarak, do Egito, anunciou a decisão de permitir a realização de eleições multipartidárias no país (ler na página A14), os sírios entregaram o meio-irmão de Saddam ao Iraque e uma surpreendente explosão de ira popular em Beirute contra o assassinato de Hariri precipitou o colapso do governo pró-Síria.

O anúncio da reforma política no Egito feito por Mubarak, que é principal aliado dos EUA no mundo árabe, mas governa com mão de ferro há quase um quarto de século, ocorreu horas após Washington ter anunciado a suspensão de uma visita da secretária de Estado, Condoleezza Rice, ao Cairo, em protesto pela prisão do líder oposicionista Ayman Nour.

Tenha ou não sido calculado como um gesto para agradar Washington, deixou essa impressão e criou a expectativa de que a prisão de Nour não será prolongada.

Embora fatos como esses sejam insuficientes para uma avaliação da real eficácia da estratégia americana para a região, os acontecimentos dos últimos dias no Egito, Líbano e Iraque operaram a favor de Washington.