Título: Contra o programa nuclear, ajuda ao Irã, em vez de ameaça
Autor: Jamil Chade
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2005, Internacional, p. A15

O governo americano está avaliando as vantagens de unir-se aos europeus na oferta de incentivos econômicos para que o Irã abandone seus planos de desenvolver armas nucleares, informaram ontem os jornais americanos The New York Times e The Washington Post. Ambos citam funcionários do alto escalão da administração de George W. Bush, segundo os quais esses incentivos poderiam incluir o apoio à incorporação do Irã na Organização Mundial do Comércio (OMC). Nos últimos meses, o governo Bush intensificou sua retórica ameaçadora em relação ao Irã - pais que o presidente americano listou ao lado de Iraque e Coréia do Norte no "eixo do mal". Mas, durante sua recente viagem à Europa, descartou a possibilidade de um iminente ataque militar ao país e reiterou que as opções diplomáticas ainda não estavam esgotadas.

"No dia seguinte de sua volta da Europa, Bush reuniu-se com os principais membros de sua equipe de política externa para analisar as propostas do chanceler alemão, Gerhard Schroeder, e do presidente francês, Jacques Chirac", afirmou o Post. "Esperam-se mais discussões nesta semana, mas a Casa Branca quer que se complete rapidamente a lista de incentivos que será oferecida a Teerã como parte das conversações da Europa com o Irã."

A nova disposição do governo de Bush em dialogar, embora de forma indireta, com Teerã "marca uma mudança significativa a partir da posição de que o Irã não merecia recompensas por ações que é obrigado a tomar sob o Tratado de Não-Proliferação Nuclear (TNP)", assinalou o jornal.

Um funcionário explicou que a razão pela qual o governo Bush se sente mais tranqüilo na é porque Washington percebeu firmeza na posição européia de que o Irã está proibido de ter armas nucleares. Uma vez satisfeito "sobre a questão estratégica, o presidente está mais disposto a considerar os aspectos táticos com os europeus", acrescentou o Post.

"No momento, ainda não se se tomou nenhuma medida sobre a mescla conveniente de incentivos nem sobre o melhor momento de se fazer isso", informou, por seu lado, The New York Times. O jornal informa ainda que o secretário-geral da Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA), Mohamed el-Baradei, relatou "avanços" na cooperação do Irã com os inspetores da entidade nos últimos meses.

No entanto, de acordo com a AIEA, ainda não se esclareceram todos os pontos sobre os projetos nucleares iranianos. Em especial, a entidade levantou dúvidas sobre a procedência de rastros de urânio altamente enriquecidos encontrados em centrífugas de gás que o Irã afirma ter comprado do Paquistão.

No fim de semana o Washington Post relatou um encontro de 1987, em Dubai, de assessores do homem considerado o pai da bomba atômica paquistanesa, Abdul Qadeer Khan, e funcionários iranianos. Desse encontro, teria saído um acordo para que Khan dotasse o Irã de um programa de armas nucleares. O governo paquistanês qualificou ontem a reportagem do Post de "história velha", salientando que as informações sobre esse encontro já tinha sido passada pelo Paquistão a governos de outros países e à AIEA.

SAÚDE

As diferenças políticas entre os EUA e o Irã chegaram também ao campo da saúde. A Organização Mundial da Saúde (OMS) deveria ter concluído no último fim de semana as negociações para a criação de uma nova regulamentação mundial de saúde, que substituiria a atual, de 1969. Mas os países não conseguiram fechar um acordo, apesar de terem prolongado os debates até a madrugada do domingo. O obstáculo foi a insistência da Casa Branca de dar um mandato para que a OMS verifique não apenas a situação das doenças nos países, mas também para que passe a monitorar os efeitos de armas químicas para a saúde da população.

O governo iraniano foi quem mais se mostrou contrário e se recusou a aceitar um acordo com o novo mandato para a OMS. O Brasil também não aceita a proposta americana. Técnicos do Ministério da Saúde participaram das reuniões e lembraram que a questão de armas químicas deve ser tratada nas negociações sobre desarmamento, e não na OMS.