Título: Múmia de 1.200 anos registra doença de Chagas
Autor: Carolina Iskandarian
Fonte: O Estado de São Paulo, 01/03/2005, Vida &, p. A18

Especialistas em paleoparasitologia, ciência que estuda a presença de parasitas em múmias e fósseis, descobriram que o registro mais antigo da doença de Chagas encontrado no Brasil até agora data de 1.200 anos. Graças à técnica, foi possível extrair o DNA do protozoário Tripanossoma cruzi, causador da doença, em um corpo mumificado que deve ter essa "idade". Segundo os pesquisadores, a descoberta mostra que a doença existiu antes das casas de pau-a-pique, que vieram com a colonização, em 1500, e ainda servem de moradia para o barbeiro, inseto transmissor da doença. Inédita, a descoberta do mal de Chagas na múmia, encontrada no norte de Minas Gerais, foi feita por pesquisadores da Escola Nacional de Saúde Pública da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). "Essa múmia tinha não só o DNA do parasita, mas também uma lesão provocada pela doença. O intestino estava dilatado e havia uma massa fecal", explicou o professor Adauto Araújo, coordenador da pesquisa Paleoepidemiologia da Doença de Chagas. Foi a partir da análise desse material orgânico que os pesquisadores chegaram ao protozoário.

Com a descoberta, Araújo pensa em ir adiante. "Tudo isso mostra que a doença existiu na América antes da introdução das casas de pau-a-pique, que surgiram com a colonização do Brasil. Agora, queremos comparar o genoma do parasita de 1.200 anos com os atuais para ver o que mudou e qual é a capacidade de lesão." Apesar de entusiasmado com a novidade, ele afirma que ainda não é possível traçar um mapa da epidemia do mal de Chagas na época da múmia.

"Esse é o caso mais antigo visto até agora no Brasil. Mas, por enquanto, é o único." Araújo afirma que a enfermidade sempre existiu na América. No Peru, o registro mais remoto do protozoário data de 9 mil anos. No Chile, de 2 mil anos.

"Nossa teoria é de que a doença é tão antiga na América quanto a presença do homem. Ela teria começado a contaminar a população andina há 8 mil anos, quando os animais começaram a ser domesticados", informou. Segundo o professor, pequenos roedores, gambás e tatus atraíam o barbeiro infectado. Quando os animais passaram a conviver dentro das casas, como bichos de estimação, o inseto ficou mais próximo dos humanos.

A partir daí, a enfermidade se espalhou e virou uma epidemia que ainda não tem cura. Dados da Organização Pan-americana de Saúde (Opas) mostram que a doença de Chagas atinge hoje cerca de 16 milhões de pessoas na América Latina; 6 milhões delas vivem no Brasil.

Adauto Araújo, especialista em paleoparasitologia há 27 anos, quando a ciência foi introduzida no Brasil, tem ainda outras pesquisas com parasitas em múmias e fósseis. Uma delas, segundo ele, provou que muitas parasitoses intestinais surgiram na América e não em outros continentes, como se pensava.