Título: Veto do senador ao aumento deixa deputados furiosos
Autor: Sérgio Gobetti
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2005, Nacional, p. A4

A tentativa frustrada de aumentar o salário dos parlamentares causou a primeira crise política entre a Câmara e o Senado desde a posse dos novos presidentes das duas casas, há 18 dias. Aliados do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), classificaram o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), de "calhorda" e de querer passar por "paladino da moralidade e da Justiça". Referiam-se especialmente às críticas que ele fez publicamente ao aumento, recusando-se a assinar o ato que reajustava os salários de R$ 12,8 mil para R$ 19,1 mil. Com isso ele pôs às negociações que estavam sendo feitas entre Severino, o presidente do Supremo tribunal Federal (STF), Nelson Jobim, e o próprio Renan.

"Exigimos respeito com a Câmara", protestou o líder do PP, deputado José Janene (PR). Ele afirmou que Renan não agiu de forma correta ao dizer durante a reunião com Severino e Jobim que consultaria os líderes e, em seguida, criticar publicamente o aumento. "É claro que não estamos contentes. É claro que arranhou a relação com o Senado."

MAIS ATENÇÃO

O segundo vice-presidente, Ciro Nogueira (PP-PI), também protestou. "Foi uma surpresa a reação de Renan. Quis sair de bonzinho na história, o que não foi bom para o relacionamento entre as duas Casas".

Para os aliados de Severino, Renan está com "dor-de-cotovelo" porque o presidente da Câmara tem merecido mais atenção dos meios de comunicação do que ele.

Severino tentou evitar a polêmica direta com Renan. Mas não resistiu a um comentário: "Cada um tem sua maneira de agir. Eu ajo respeitando os outros. Eu não agiria assim."

Indagado se Renan quis parecer "bonzinho", Severino respondeu: "Ele pode precisar disso. Eu não."

Além das agressões verbais, os deputados cobraram transparência nas contas do Senado. "Até hoje nenhum deputado teve os privilégios que os senadores têm", afirmou Janene. "Eles têm carro, motorista, gasolina e auxílio-saúde vitalício para toda a família. Gastam mais do que os deputados", acusou o quarto secretário, João Caldas (PL-AL).

DIFERENTES

O comportamento de Renan foi a primeira ação na execução de uma estratégia política para se contrapor ao perfil conservador e corporativista de Severino. Renan tem adotado um discurso de moralização, no qual inclui propostas de cortes nos gastos no Senado.

Como o aumento salarial teve repercussão negativa na opinião pública, Renan Calheiros procurou desvincular o Senado do fato. "É um assunto encerrado, até porque não chegou ao Senado", resumiu.

Em resposta às críticas dos deputados, disse que durante a reunião com Severino e Jobim avisou das dificuldades que a proposta enfrentaria e que não apoiaria o aumento sem o consentimento das bancadas. "Qualquer solução tem de ser de comum acordo entre as duas Casas. Não dá para o Senado empurrar goela abaixo da Câmara nem vice-versa."

Ainda dentro de sua estratégia de se diferenciar de Severino, Renan reuniu a Mesa ontem e determinou que, em dez dias, seja apresentada uma proposta de corte de gastos. A meta é cortar R$ 30 milhões, nos próximos dois anos.