Título: EUA abandonam meta de vitória no Iraque
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2005, Internacional, p. A16

Os americanos de uma certa idade vão se lembrar do incisivo aforismo de Douglas MacArthur: "Não existe substituto para a vitória." O comentário capta um elemento essencial da tradição militar americana. Quando os EUA vão à guerra, lutam para vencer, para impor sua vontade ao inimigo. Sacrificar soldados por algo menor - como MacArthur acusou ter sido o caso na Coréia e mais tarde, inequivocamente, tornou-se o caso no Vietnã - cheira a algo não-americano. Mas, entre as várias declarações oficiais que vêm sendo emitidas para explicar os eventos no Iraque, menções a uma vitória estiveram notavelmente ausentes. Tacitamente, o governo Bush praticamente abriu mão de qualquer expectativa de derrotar o inimigo com o qual trava uma guerra.

Nos primeiros dias da insurgência, o general Ricardo Sanchez prometeu usar "o poder de combate que for necessário para vencer", exibindo toda a belicosidade de George Patton ou Norman Schwarzkopf. "É isso que os EUA esperam de mim", declarou Sanchez em dezembro de 2003. "E é isso que vou fazer." Os comandantes não mais fazem tais promessas ousadas, nem as altas autoridades civis de Washington.

Realmente, hoje o objetivo do governo Bush não é vencer, mas livrar-se da responsabilidade de travar uma guerra que começou e não consegue terminar. O debate nos círculos de segurança nacional concentra-se não em adotar táticas e tecnologias capazes de vencer a guerra, mas em como sair dessa situação antes que as forças dos EUA, já muito sacrificadas, sofram um dano irreparável.

Os otimistas estão apostando no programa de treinamento curto e intensivo para criar uma nova força de segurança no Iraque que permita aos EUA, em mais ou menos um ano, começar a reduzir seu contingente. Os pessimistas têm suas dúvidas. Mas praticamente ninguém prevê que os EUA estejam nem remotamente perto de esmagar a insurgência ou de obter a vitória decisiva prometida em março de 2003 pelos defensores da guerra.

O conflito assumiu um rumo inesperado - o que tem ocorrido com as guerras através da história. Como conseqüência, hoje uma força inimiga de baixa tecnologia e cerca de 10 mil combatentes mantém numa sinuca o establishment militar mais poderoso do mundo. É certo que o adversário não consegue derrotar militarmente as forças americanas. Mas os EUA também não podem derrotá-lo. Em resumo, os soldados americanos hoje não estão mais lutando para vencer, mas simplesmente para ganhar tempo - esse se tornou o substituto do governo Bush para a vitória. Pior ainda, numa guerra como a do Iraque, a tendência é que o tempo trabalhe em favor do outro lado.

Não se sabe se esta realidade já foi plenamente absorvida pela maioria do povo americano. Sem dúvida, Bush espera que os cidadãos continuem cochilando. É melhor falar sobre a reforma da previdência social e proibir o casamento homossexual do que chamar atenção para o fato de que os EUA estão gastando bilhões de dólares por mês e perdendo em média dois soldados por dia - e isso não para triunfar, mas sim para prolongar o impasse.

A idéia, promovida em 2003, de que, com o uso agressivo de seu poderio militar, os EUA teriam condições de cimentar sua predominância global e transformar o mundo islâmico foi uma ilusão perigosa. E continua sendo uma ilusão.