Título: Muito turismo e poucas conversas
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Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2005, Economia, p. B6
O primeiro dia de negociações entre ministros dos 30 principais atores do comércio internacional terminou ontem em mais uma grande decepção. Sem se entenderem nem apontarem uma direção política para superar os impasses, os ministros não chegaram a acordo sobre agricultura, produtos industriais ou serviços. Alguns países ricos acusaram o Brasil de ter sido em parte responsável pelo desentendimento. O chefe da delegação brasileira, o embaixador Clodoaldo Hugueney, explicou que defendeu a linha tradicional da diplomacia do País: sem avanços no setor agrícola, não há como avançar na liberalização de produtos industriais ou de serviços. Uma das principais críticas partiu do comissário de Comércio da União Européia (UE), Peter Mandelson. "O comportamento do Brasil é inaceitável", disse ele. "A atmosfera das negociações está muito ruim", disse o principal negociador suíço para temas agrícolas, Luzius Wasescha. "Não entendo por que, quando falamos que agricultura e desenvolvimento são centrais nas negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC), os países ricos se assustam", retrucou Hugueney.
O encontro deveria ter iniciado com um debate sobre agricultura. Mas, antes, o grupo dos cinco principais países nas negociações - Brasil, Estados Unidos, Índia, Austrália e UE - reuniu-se para tentar superar as diferenças, sem sucesso. Os europeus se recusaram a aceitar o modelo proposto para transformar suas tarifas quantitativas em taxas sobre o valor dos produtos. Sem essa transparência na cobrança de taxas, não há como avançar para a negociação sobre quanto deve ser o corte de tarifas no futuro. O Brasil acredita que, se não houver solução até a próxima semana, as negociações estarão comprometidas.
Sem acordo com a UE, a solução foi adiar o debate oficial sobre a agricultura para hoje, o que permitirá a participação do chanceler Celso Amorim, que chegou ao Quênia após os debates. A reunião foi então iniciada com o tema de produtos industriais e serviços. Quando o Brasil afirmou que não estava disposto a fazer novas concessões enquanto não houvesse avanços na área agrícola, a UE e outros países ricos se irritaram. "Alguns acham que são a única voz da sabedoria e que podem colocar os demais sob pressão", acusou o Wasescha sobre o Brasil. "A intervenção do Brasil não surpreendeu pelo conteúdo, mas não foi um passo negativo", avaliou um delegado japonês.
DISCÓRDIA
Os desentendimentos foram generalizados ontem no que se refere à redução de taxas para produtos industriais. Brasil, Índia e outros emergentes apresentaram idéias de como fazer o corte, respeitando os países em desenvolvimento. EUA e Europa querem cortes mais profundos. O México apresentou uma terceira oferta. Quem surpreendeu foi o Quênia, com um pedido para que a próxima semana seja estabelecida como prazo final para apresentação de propostas. "Isso é uma piada", reagiu David Spenser, embaixador da Austrália na OMC.
Tensa, a reunião acabou com diplomatas se acusando mutuamente. E bem que o diretor-geral da OMC, Supachai Panitchpakdi, pediu a colaboração de todos. "Precisamos de liderança política", disse o tailandês, antes de começar a reunião. Hoje, os governos têm outra oportunidade de sair do Quênia com pelo menos uma orientação política sobre como devem se comportar os negociadores nas próximas semanas em Genebra.
PROTESTO
Enquanto os países não se entendiam, manifestantes quenianos tentavam organizar protestos pela cidade. Uma passeata antiglobalização que prometia ser pacífica acabou em enfrentamento com a polícia e prisão de 41 pessoas.
Segundo os organizadores da reunião da OMC, a delegação brasileira é uma das maiores, com 42 integrantes. A explicação do Itamaraty é que grande parte deles participará do restante da viagem que o chanceler Amorim fará pela África nos próximos 10 dias.