Título: Adesão à troca argentina foi de 76%
Autor: Ariel Palacios
Fonte: O Estado de São Paulo, 04/03/2005, Economia, p. B9

As profecias agourentas sobre o desempenho da operação de troca de títulos da dívida pública argentina com os credores privados foram soterradas definitivamente ontem (quinta-feira) à tarde. O Ministro da Economia, Roberto Lavagna, anunciou que 76,07% dos donos de papéis em estado de calote haviam aderido a "el canje de deuda" (a troca da dívida). Com toda pompa, no histórico Salão Branco da Casa Rosada, o palácio presidencial, Lavagna afirmou que com a troca de títulos, de um total de US$ 81,83 bilhões da dívida original com os credores, um volume de US$ 62,24 bilhões em títulos antigos - em estado de calote desde dezembro de 2001 - passaram pela peneira da reestruturação, transformando-se em US$ 35,23 bilhões em bônus novos.

A operação está ironicamente sendo chamada de "a mãe de todas as reestruturações". Nunca antes, na História mundial, uma troca de títulos teve tais dimensões. Os novos bônus, com valor drásticamente inferior aos títulos originais, serão cotados oficialmente nos mercados a partir do dia 1 de abril. A Argentina encerrou três anos de calote que a transformaram em pária dos mercados.

O anúncio sobre a adesão dos credores foi realizado diante de uma platéia constituída pelo presidente Néstor Kirchner e de grande parte do gabinete de ministros, além do ex-presidente Raúl Alfonsín e la crème de la crème do empresariado e do setor financeiro argentino.

Com a operação, a dívida total, que era de US$ 191,25 bilhões, reduz-se a US$ 125,28 bilhões. Isso indica que o peso da dívida passou de 113% a 72% do PIB.

Lavagna também celebrou a "desdolarização" da nova dívida, já que 37% dos títulos reestruturados serão emitidos em pesos. Em dezembro de 2001, logo antes da declaração de default, por parte do ex-presidente Adolfo Rodríguez Saá, a dívida em pesos era de apenas 3% do total.

Segundo Lavagna, em 2001, 66% da dívida estava em dólares. Com a reestruturação, os títulos na moeda americana passam a ser 37% do total. O resto da dívida está em euros e outras moedas.

O ministro sustentou que os mercados "falaram claramente, aceitando a proposta do governo argentino". Lavagna também afirmou que no futuro, o país não será tentado pelo "cantos de sereias" de contrair novas dívidas.

Logo após o discurso de Lavagna, que havia mantido um estilo sóbrio e técnico para anunciar a adesão dos credores, Kirchner - como se estivesse em um comício - subiu à tribuna para fustigar os setores que se opuseram à operação de troca de títulos. "É fácil prever o fracasso", disparou Kirchner, em referência aos economistas e lideranças políticas em todo o mundo que prognosticavam o colapso da proposta argentina de reestruturação.

Logo em seguida, aproveitou a ocasião para ler uma série de críticas feitas contra "el canje de deuda" ao longo do último ano, citando os nomes completos dos economistas e jornalistas que as haviam pronunciado. Brincando, comentou: "me recomendaram durante todo o dia que eu não lesse isto".

"A velha Argentina que apostava no fracasso acabou. Surge uma nova Argentina. Um povo com esperança", disse. O presidente também sustentou que "é necessário extrair lições do default". O final do calote, afirmou, representa "a superação de um dos maiores obstáculos para a economia argentina".

"El Pingüino" (O Pingüim), como é chamado popularmente, disse que nesta etapa pós-calote o país enfrentará vários desafios. Em alusão às negociações com o FMI, que o governo retomaria nos próximos dias, após meses de "congelamento", Kirchner disse que em breve virão discussões "árduas".

Kirchner estava na glória. Segundo os analistas políticos, esta quinta-feira foi um dos pontos culminantes de seu mandato.

A proporção de 76,07% de adesão, meses atrás, teria sido considerada "delirante" por grande parte dos analistas financeiros em todo o planeta, desde Nova York, passando por São Paulo, até Frankfurt. A meados do ano passado, os "gurus" financeiros prognostivam que a adesão dificilmente passaria os 50% dos credores. O inesperado sucesso de Kirchner, afirmam os analistas, foi causado por um "mix" de "dureza" nas negociações com os credores e de "sorte" por uma conjuntura financeira internacional que tornou "atraentes" os novos bônus argentinos.