Título: Justiça reabre ação sobre cobrança de propina em Santo André
Autor: Fausto Macedo
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2005, Nacional, p. A4

A Justiça reabriu ontem ação criminal contra um grupo de empresários acusados de formarem quadrilha para extorsão no setor de transportes coletivos de Santo André durante a administração Celso Daniel (PT) - prefeito seqüestrado e morto a tiros em janeiro de 2002. A decisão é do juiz Iasin Issa Ahmed. "A denúncia encontra-se lastreada em várias linhas de evidência", anotou o juiz. Entre os acusados está o ex-vereador Klinger Luiz de Oliveira Sousa (PT), que foi secretário de Transportes e secretário de Serviços Municipais de Santo André. Segundo o Ministério Público, Klinger "era a pessoa responsável pelas restrições administrativas contra empresários que não queriam colaborar com a caixinha na prefeitura".

Cinco empresários, Ronan Maria Pinto, Sérgio Gomes da Silva (o Sérgio Chefe), Humberto Tarcísio de Castro, Irineu Nicolino Martin Bianco e Luiz Marcondes de Freitas Júnior, também são réus na ação. "O concurso da quadrilha contava sempre com o estratégico cargo público ocupado por Klinger, que permitia a ele e a seus comparsas o domínio das ações sobre os empresários que contratavam com a administração pública", sustentam os promotores que investigam a atuação do grupo.

A denúncia da promotoria já havia sido apresentada à Justiça em julho de 2002. O juiz Iasin recebeu a denúncia e abriu o processo, mas a defesa dos acusados recorreu ao Tribunal de Justiça sob o argumento de que o Ministério Público não tem legitimidade para fazer investigações criminais. O TJ anulou a acusação e mandou a promotoria ouvir os acusados.

Todos negaram envolvimento com o esquema de propinas, revelado pela família Gabrilli, que teria sido vítima do esquema de extorsão. O Ministério Público apurou que Luiz Alberto Ângelo Gabrilli Filho e seus filhos, Rosângela e Luiz Alberto, controladores de uma empresa de ônibus, teriam sido obrigados a contribuir com R$ 2 milhões para manter exploração de linhas.

FINANCIAMENTO

A denúncia também foi reforçada pelo depoimento do médico João Francisco Daniel, irmão do prefeito morto. Em maio de 2002, durante audiência secreta, ele declarou ter ouvido de Gilberto Carvalho, assessor particular do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que parte do dinheiro arrecadado em Santo André era destinado ao financiamento de campanhas eleitorais do PT.

"A súbita morte do prefeito Celso Daniel desencadeou mais que demonstração de fatos, uma revelação deles", destacou o juiz Iasin Ahmede. "O condenável denuncismo, que se poderia inferir à primeira vista, não foi o móvel que levou Rosângela Gabrilli, Luiz Alberto Neto, Luiz Alberto Filho e João Francisco Daniel a se mostrarem em público, fornecendo completa qualificação e, depois, subscreverem as respectivas declarações tomadas no gabinete dos promotores de Justiça e repetidas no plenário da Câmara Municipal de Santo André."

O juiz defendeu a legitimidade do MP para tocar a apuração, rechaçando a principal tese da defesa, que se opõe a esse papel dos promotores. "Em momento algum, os promotores ocuparam o lugar do delegado e do investigador de polícia. Muito ao contrário, ocuparam-se com a análise do material colhido, durante a qual corretamente mantiveram sigilo. Depois de expurgar a possibilidade de estar-se diante de uma delação vingativa, formularam, convencidos, a primeira denúncia."

Os promotores rastrearam documentos bancários e fiscais. Descobriram que por uma conta de Sérgio Gomes teria transitado dinheiro que os Gabrilli entregaram ao grupo. "Apurou-se que os denunciados formaram uma quadrilha determinada a arrecadar recursos através de achaques a empresários, bem como a desvios de dinheiro dos cofres públicos municipais", sustentam os promotores.

Segundo eles, aproveitando-se de seu prestígio na administração Sérgio Gomes "idealizou a formação da sociedade delinqüente e era um dos destinatários dos recursos ilícitos". Os promotores ressaltam que Sérgio foi tesoureiro de campanha eleitoral de Daniel, "sendo certo que, em algumas oportunidades, arrecadou diretamente parte do dinheiro".

BENEFICIÁRIO

A denúncia aponta Ronan, proprietário de empresas de transporte, coleta de lixo e construção civil, como "intermediário e beneficiário de parte dos recursos, competindo-lhe, também, transmitir as determinações da quadrilha para os empresários-vítimas".

"A denúncia preenche todos os requisitos da artigo 41 do Código de Processo Penal, inclusive na indicação da data dos fatos", constatou o juiz. "Contém descrição pormenorizada dos fatos e indicação individualizada de autoria. É explícita, clara, circunstanciada."

Antes de receber a denúncia, o juiz permitiu à defesa que apresentasse versão por escrito. "As respostas escritas não convencem da inexistência dos crimes expostos na denúncia", escreveu Iasin. "Tampouco indicam a ausência de justa causa na pretensão punitiva."