Título: Fonteles quer ir ao STF contra a lei
Autor: Mariângela Gallucci
Fonte: O Estado de São Paulo, 05/03/2005, Vida &, p. A25

O procurador-geral da República, Claudio Fonteles, poderá questionar no Supremo Tribunal Federal (STF) as pesquisas com células-tronco embrionárias autorizadas pela Lei de Biossegurança que foi aprovada nesta semana pela Câmara dos Deputados. Ontem, Fonteles disse que estuda o texto da lei e que não descarta a possibilidade de protocolar uma ação direta de inconstitucionalidade (adin) no STF para contestá-la. "Estou meditando profundamente", afirmou Fonteles. "Não descarto uma adin", disse. O procurador-geral contou que ficou muito impressionado com uma entrevista a que assistiu na noite de quinta-feira na Rede Vida com a especialista Lilian Pi¿ero Eça, professora-doutora em biologia molecular da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Na véspera, horas antes do programa, ele comentava que o uso das células-tronco embrionárias era polêmico, mas, em favor das pesquisas, havia o aspecto de que estava-se tirando uma vida para garantir outra.

Lilian Pi¿ero Eça, a entrevistada na TV, acredita que houve pouca discussão no Congresso e entre o público, antes que a lei fosse aprovada, e que o grupo dos cientistas contrários à liberação hoje não foram devidamente ouvidos. Segundo ela, a pessoa leiga no assunto não teve tempo hábil para conhecer as possibilidades e principalmente as restrições implicadas a esse tipo de terapia, o que provocou ansiedade entre a população de que a cura para doenças como mal de Alzheimer e diabete estaria próxima. "Tudo o que estamos pedindo é cautela. Não há uma publicação científica no mundo que comprove a eficácia da célula-tronco embrionária dentro do corpo humano", afirma.

Para a especialista, o texto que regula o uso do material no Brasil só foi aprovado por causa da pressão exercida pela bancada ruralista, que desejava a liberação dos transgênicos. "Foi um golpe político, uma manobra para que o assunto passasse desapercebido."

RELIGIÃO

Católico praticante, Fonteles envolveu-se recentemente na discussão sobre a interrupção de gestações de fetos com anencefalia, anomalia que consiste na ausência de cérebro. Existe no STF uma ação que debate o direito de as mulheres anteciparem os partos de fetos anencéfalos. O procurador-geral é contra. Para ele, a legislação brasileira prevê apenas duas hipóteses de aborto: no caso de risco de morte para a mãe e se a gravidez for resultante de estupro.

No STF, a Lei de Biossegurança também é considerada polêmica. Um dos argumentos utilizados por cientistas contrários às pesquisas e que chamou a atenção de ministros do tribunal é de que não há certeza de que as células-tronco resolverão os problemas de saúde a que se propõem. Segundo um dos integrantes do STF, isso tudo pode ser uma "falsa propaganda".

Apesar de fazerem previsões de grandes discussões no Supremo, ministros do tribunal acreditam que o assunto não é tão complexo quanto a interrupção de gestações de fetos com anencefalia. Esse julgamento sobre o direito à interrupção de gestações de anencéfalos deverá ocorrer ainda neste semestre.